Poema pra amar

Poema pra amar

Amar é narcisista

e sê-lo

é seduzir a palavra plenamente

ou coisa alguma ou meio.

É docemente inteiro,

ponta à ponta,

o viço

do poeta

a desatar

o nó do pelo.

É quando sente o caule a flor de gula,

apinhando de verão

o campo

as aleluias.

Amar como se agita um grito dado ao vento

- ou era o campo que sorria?

A cor vencida,

a palidez,

o limo,

ou o tear que os finge.

- Como se escrever amor

a um verso indiferente?

Amar

ao longo das paredes,

como se agita a mariposa cheia.

Amar até estio,

como ao pintor maior

o breve traço:

o Círio.

Amar amor roliço,

a pedra torcida

em duas belas tranças:

entra o calhau o rio.

Amar que o mar visite

o arco toda a curva.

Amar, se pôr e amar.

Os lábios grossos de se encher um silo.

Amar em convulsão o assoalho o passo.

Amar, alegre e libertino, o verso arremessado;

um talho, um verme e tudo que é disforme.

Amar como os rimadores

ou à prosa muda, o pensamento.

Amar às sobras de comida, ferros-velhos, poças.

Amar como a viela esmola a rua,

à cor-de-terra os olhos e o pescoço.

Amar como o poeta o seu poema curto

- como quem vaga e quem vigia -,

os calcanhares como seu último refúgio amigo.

E enfim, amar a poesia,

o que nos leva o mel dos olhos de emboscada.

Amar devassa e tão profundamente,

que a sombra sobre a terra

dá-me o ponto exato onde abre a veia,

e há o espanto:

escorre o sentimento!