RANHURA DOS JAVALIS
O amor desfolha a alma até chegar na sua alma,
então, com a calma das brisas, aconchega um beijo,
ficando assim até o mar se enjoar.
O amor depõe o medo, desarma o frio,
desarma a razão, o calor, pulsar alado,
destrona cada suor inibido, ou calado,
faz a noite desfolhar e se matar de rir.
O amor, por vezes farsante, por vezes deserto,
se esquece a que veio, a que fará, a que legará,
desparafusa dúvidas com a ranhura dos javalis,
revira do avesso os nódulos do medo, da fé,
se encanta ao se ver diante de si mesmo.
O amor, se é que há amor,
se purga no banho-maria do talvez,
enverga o aço da solidão, arremata as senzalas do afligir,
traz a languidez de Deus ao colo endiabrado do gostar.
O amor, envaidecido e repleto de azuis,
tira do seu bojo cantigas lindas de ninar,
atiça sem pudor cada viés amotinado,
espreguiça solene as fronhas puídas da paixão.
O amor se arrepia ao sentir o abraço do perdoar,
se diz rendido quando tudo se fizer fuligem sem dono,
se faz eterno se o tempo refletir seu próprio olhar.