SOBRE ESQUECER
Não me aborreças
Dizendo-me coisas como “me esqueça”
Bem sabes que meu gozo está em lembrar-te
Embora muito falastes sobre esquecer;
O que tenho a dizer é que hei de jurar-te
Que hei de lembrar-te, até morrer!
Pessoas suportam as dores
Mas não se esquecem dos amores!
Nem a abelha das flores em que pousou
Nem a pequena do seu primeiro amor
E eu hei de esquecer-te, só?
Acaso a lua há de esquecer-se do sol
Meramente porque ele há de esvaecer?
Eu também não hei de te esquecer!
Ainda que eu não brilhe como o sol.
O homem esconde o tesouro na terra
E não se esquece onde o escondeu
E hei de esquecer-te eu?
Nem Deus, tampouco Ele!
Que espalha as estrelas, sem esquecê-las
Uma a uma, nome a nome,
Nem Ele esquece dos homens!
E eu ei de esquecer-te?
Eu hei de esquecer-te?
Se o velho mais vivido e mais amnésico
Ainda sabe onde guarda o seu dinheiro
E não há de esquecê-lo;
Serei eu quem te esquecerei primeiro?
Sabes bem, que meu gozo está em lembrar-te
Esta é a minha parte, o que cabe a mim fazer.
E eu hei de te esquecer?
O filho era miúdo, quando a palma da mão do pai
Alisava-lhe os cabelos e sorria-lhe
E agora o pai não vive, não vive mais.
Deus o tenha. E o terá em paz
Na lembrança, o filho, até morrer.
E eu hei de te esquecer? Jamais!
Há um rabisco de um desenho na parede
De uma velha casa em que morei
Do qual até hoje não me esqueço
Nem da casa me esqueço, do endereço ainda sei
E só de ti me esquecerei?
Por isso, não me aborreças
Dizendo-me coisas como “me esqueça”
E sabes que meu gozo está em lembrar-te
Esta é a minha parte, o que cabe a mim fazer.
O que tenho a dizer é que hei de jurar-te
Que hei de lembrar-te, até morrer!