Sem ponto final

Madrugada adentro

Minha insônia funda versos

Como quem tem pressa

Para pegar o último voo

Coloca-se em brutos espasmos

Trazendo o que fomos

- ou esquecemos de ser

No canto da sala

Daqui, sem qualquer movimento

Assisto ao feixe luminoso

Caído sobre o seu rosto

Olhos castanhos claros

Encorajados pela ventura

[bem vivida

Vejo, depois de diversas buscas,

A inquietante tentativa

De resgatar a alegria par

Ainda que tenha notado

Sob meu próprio falhanço

No instante errado:

não tinha me sido dado

Nossos luares dispostos

Em descampado arenoso

A germinar sementes

Do que fora, outrora,

Mero engano – imagino -

Desencontro

Se tudo ou pouco deve durar

Nosso nó(s) não durou o bastante

Não evitei sua ida de mim

Tampouco de nós

Eu não pude

Mas, recuso noites estéreis

Em cínico ato de fingimento

Entregue ao tormento da alma

Sentir o seu suave cheiro ou

A fumaça do cigarro não aceso

O vento do abraço dissipado

Debruçada sobre o que sobrou

Quero escrever epopeias

Incluir nosso romance

Em um soneto de Camões

Ou virar página gasta

Do livro de Gullar

Antagonizar desfechos clichês

Devorar a nossa escassez

Tornar o cimo do que nos engole

O amor entorpecente

Entre a doença e a cura

Do que ignoramos ou cansamos

Por falta de cuidado mútuo

Estava à nossa frente, bem sei

Amputamos dores

À prova sem ferida

Autopsiamos a memória intraduzível

Não recorremos a doses paliativas

Vencidos, amor, nos demos

Equivocadamente

Por vitoriosos.

Mariane Amaral
Enviado por Mariane Amaral em 17/05/2020
Código do texto: T6949651
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.