Sem ponto final
Madrugada adentro
Minha insônia funda versos
Como quem tem pressa
Para pegar o último voo
Coloca-se em brutos espasmos
Trazendo o que fomos
- ou esquecemos de ser
No canto da sala
Daqui, sem qualquer movimento
Assisto ao feixe luminoso
Caído sobre o seu rosto
Olhos castanhos claros
Encorajados pela ventura
[bem vivida
Vejo, depois de diversas buscas,
A inquietante tentativa
De resgatar a alegria par
Ainda que tenha notado
Sob meu próprio falhanço
No instante errado:
não tinha me sido dado
Nossos luares dispostos
Em descampado arenoso
A germinar sementes
Do que fora, outrora,
Mero engano – imagino -
Desencontro
Se tudo ou pouco deve durar
Nosso nó(s) não durou o bastante
Não evitei sua ida de mim
Tampouco de nós
Eu não pude
Mas, recuso noites estéreis
Em cínico ato de fingimento
Entregue ao tormento da alma
Sentir o seu suave cheiro ou
A fumaça do cigarro não aceso
O vento do abraço dissipado
Debruçada sobre o que sobrou
Quero escrever epopeias
Incluir nosso romance
Em um soneto de Camões
Ou virar página gasta
Do livro de Gullar
Antagonizar desfechos clichês
Devorar a nossa escassez
Tornar o cimo do que nos engole
O amor entorpecente
Entre a doença e a cura
Do que ignoramos ou cansamos
Por falta de cuidado mútuo
Estava à nossa frente, bem sei
Amputamos dores
À prova sem ferida
Autopsiamos a memória intraduzível
Não recorremos a doses paliativas
Vencidos, amor, nos demos
Equivocadamente
Por vitoriosos.