de primavera e importâncias

a arte de pegar arroz com duas colheres

em uma só mão

a arte de fazer das mãos alheias sutiã

a arte de posar junto ao seu amor

para serem fotografados

pela sinceridade de um espelho

que, mágico, aquilo eterniza

a arte de reconhecer um momento verdadeiro

a arte de jogar pingue-pongue sorrindo

sem contemplar a bolinha -

a bolinha nunca teve tão pouca importância

a arte de sentir a importância

de cada palavra dita (às vezes como música)

e, sem artifícios, chorar ao som da penúltima sílaba

a arte de fazer balé embaixo do chuveiro

e de atravessar paredes de azulejo

a arte de beijar a lágrima do ser amado

e de se deixar beijar pela arte

(gozar e chorar, chorar e gozar

dentro de um mesmo instante:

isso é para poucos)

importância, benquerença, consciência...

consciência da descoberta do bom da vida

benquerença de poesia viva sem papel ou teclado

a arte de dar importância ao que importa

a arte de pegar arroz com duas colheres

em uma só mão

então,

gentil dama e fiel cavalheiro,

eis a nova janela pras suas vidas:

a arte de acordar numa outra cidade

onde o gozo não é sonho

e a delícia

é a coisa mais possível do mundo

a arte de (re)descobrir o mundo

arroz para os famintos

capim de pousada bucólica para os famintos

cama para os famintos

palmas para os famintos

famintos, loucos e lindos

a arte de abrir os olhos

como um bebê que acaba de nascer

e deixá-los arder

com o suave fogo da primavera.

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 15/10/2007
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