Um livro perdido e uma carta para um amor que se foi embora
Esta manhã chuvosa me encontrou de braços dados com a saudade de nossos dias plenos de utopia, quando vivíamos dias ufanos, irresponsáveis e felizes
Aqueles mágicos dias que me faziam acreditar na existência da eternidade, de ouro escondido em arco-íris, vaticínios de cartomante, e até na existência de unicórnios
Pois, meu amor, digo-te que quando enamorados, a nossa crença é farta, tanta quanto as mechas nas cabeças púberes dos irrequietos petizes
Queria eu buscar na madrugada de hoje o vigor e os devaneios próprios do meu Escorpião; todavia, eis que fui sentenciado a permanecer entrincheirado no temor de Capricórnio
Me perdi de mim buscando encontrar em você a cura eficiente para minha atávica angústia, a reproduzir um Fidias inconsciente construindo um mundo que desejava ideal
Sartre, em seu desencanto burguês, me mostra como morremos aos poucos, sufocados pela monotonia trágica da trivialidade que corrói sorrateira o nosso cotidiano
As Musas se afastaram de mim, levando às escondidas aquele meu livro cheio de hipérboles apaixonadas, dentro do qual escondi uma carta de amor, uma carta para um amor que eu queria tão real
Ah, meu amor! Sequestrei de ti, além de teu riso borbulhante, o lusco-fusco de teus olhos azul-turquesa, para que eternamente eles me acompanhem em minhas intermináveis noites divorciado do sono.
Queria construir para ti, minha amada, para nós, um desses poemas épicos, prenhe de amor e paixão, um poema digno de ser recitado de olhos vendados diante de um pelotão de fuzilamento
Para que a Morte, essa madrasta traiçoeira, não me receba em seus braços, esquálido, desonrado pela apatia própria dos covardes, daqueles que não sabem morrer sem temor
O mar, ao longe me segreda um consolo; tal qual uma protagonista de Flaubert, vivi contigo dias de carinho sem par, e noites dignas de Dioniso, as quais guardo com zeloso cuidado e anelamento
Uma rolinha passa cantando no céu um canto dolorido; pobre ave! Mal sabe ela que eu perdi o meu livro favorito; e que dentro dele havia uma carta, uma carta que eu havia escrito pra você, meu amor.
Terras de Pasárgada, noite de uma esplêndida Lua Cheia, meados de Setembro de 2019
João Bosco