POEMA EM DOIS

Onde está a saudade

que circunda estas paredes

e eu não sei como me livrar?

Já tentei pintando-as

pensando que era umidade

ou mofo que se acumulava

na tintura fria doutros anos.

Há uma muralha de branco

refletindo a luz da lâmpada

direto na minha cara,

detalhe por detalhe do reboco

se descortina e o quebra-cabeça

das emendas da construção

parecem formar um nome

se arrebatando da minha direção,

do seu rastro só o cheiro

da tinta nova envelhecendo

e a água da chuva escorrendo

em finos filetes pela janela,

a saudade, meu Deus,

será que está nela?!

Tateio intrigado, bato a porta,

corro pra fora, quero viver

o que quer que me espera!

Aqui dentro destas paredes

com o sol pela janela,

as folhas murchando no pátio,

a comida fumegando na panela,

arroz, feijão, carne assada,

suco de cartela,

lavar as mãos, lavar o chão

assistir a poha da novela,

onde está a saudade

que eu sempre sinto dela?

Vontade de esmurrar o portão

bater cabeça, crânio, coração,

acabar de vez com esta prisão

e deixar-me livre na singela

cessação das vozes, dos risos

guiar-me às apalpadelas

para longe da saudade, desvanecer,

dormir, definhar, morrer,

qualquer coisa melhor

que esse perigo

impregnado nas paredes,

agora compreendo o fim destas...

era um pequeno aparte de mim

que cresceu junto com ela

durante as nossas conversas

nos bares, nos jorges, nas festas

que agora, independente ao risco,

quer de volta

o que quer que tenha sido

e não pestaneja de se imiscuir

onde não estejas,

aqui e lá não faz diferença;

é a vogal alta depois da mais baixa

do nome que me fugira

versos atrás,

é um substantivo

precisando de paz,

é um verbo que conjuga

desistir jamais,

é um adjetivo de pura beleza.

Não há nenhuma estranheza

confundir-se tudo

na língua portuguesa!

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 14/04/2020
Código do texto: T6917310
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