Sem modéstia



Não deixo um traço de fruto à mostra,
a quem legar o que não tive,
nem tão bem a vida se mostra,
a quem não lhe deu em troca.
Nem traço de saudade breve,
por onde passei marquei presença;
sei também que não fui tão leve,
peso bruto na vida feito.
Fui pedra, lama, água,
rio em leito sem margem,
sem rumo segui pelo campo.
Fui lama podre sem nada,
pedra bruta, tosca, nunca escalada.
Fui rude, selvagem descalço,
de pele escura pelo sol queimada.
Fui palavra obscena, enojada.
Entre tantos restos, fui perda da vida,
pequeno lapso da febre humana,
um grande berro da natureza, já morta.