mais um poema feito à noite

ainda há um resquício

em algum lugar dentro de mim

que não consigo encontrar

mesmo procurando sem descanso

para dormir.

longa é a viagem pela noite,

entre becos e esquinas;

entre labirintos e desertos;

debaixo da chuva ou do sereno.

os gatos acompanham meus passos

nessa busca,

e eu não gostaria que fosse

de outro jeito.

minha língua treme por antecipação,

dança sozinha dentro de minha boca.

ou talvez seja saudades

daquilo que me mata por dentro,

extinguindo ainda mais

o pouco tempo que tenho.

e eu não gostaria que fosse

de outro jeito.

passo por uma selva de mãos

que me tocam como se eu

fosse um deus.

mas assim como elas, eu também

tenho meus medos e anseios.

cruzo por um mar de bucetas

invejando aqueles que se afogaram

pelo hedonismo.

quando o prazer do sexo à beira-mar

é o motivo pelo qual vivem;

é o motivo pelo qual morrem.

eu nado e mergulho,

lavo meu corpo e minha alma

no pecado mais ardente;

no pecado mais cobiçado

nesta terra de comedores de lótus,

pois sei que os dias foram abandonados

e a noite é tão intensa quanto o amor

que ainda carrego.

a cidade das ninfas foi invadida

pelos homens.

eles poluíram não apenas suas mentes e

seus úteros, mas o ar que respiram e

o solo que cultivam tantos frutos;

eles roubaram não apenas suas terras,

mas sua liberdade, seu tempo, suas

riquezas e segredos escondidos em cada

sorriso;

eles não violaram apenas suas vidas,

mas esquartejaram sua cultura

e assassinaram seus direitos.

construíram castelos com sangue,

raiva e medo,

para se protegerem de terríveis e

contrariadas ventanias,

de violentas tempestades,

e furacões incessantes,

ignorando o poder daquelas que

sobreviveram

a beijos que as cortaram;

a carícias que as esvaziaram;

a um amor esguio

dito em um idioma mais antigo

do que ele mesmo.

marcado na pele, em seus rostos,

e nos olhos antes de se fecharem

uma última vez.

rios e estradas são descidas

para o reino cujo nome

só é possível saber

ouvindo o silêncio

das praias.

eu luto contra o sono

nesta viagem sem bússola,

com os edifícios ofuscando

as estrelas

e ouvindo o canto da sereia

que clama por sono eterno.

sua voz é tão doce que me faz

esquecer

do tamanho de seu sofrimento.

as crianças estão loucas

como um líder incrédulo

espalhando um vírus desconhecido.

novo no trono e no mundo,

cegando a justiça com uma mentira

em cada mão,

vestindo tecidos finos e

despindo ao povo palavras brutas.

nenhum deus acompanha as viagens,

eu penso quando anjos

a mim se apresentam.

esqueço seus nomes, assim como a

importância que carregam,

até encontrá-los novamente

ou em meus sonhos

ou nos bares que escrevo.

"a bebida nunca acaba, a música nunca para e

o tempo nunca passa," é o que garçom me diz

gargalhando depois de encher meu copo.

e eu lembro

quando me deito,

depois de correr por um pervertido jardim;

depois de afogar tristezas em fontes nuas;

depois do cansaço me vencer.

e eu lembro

que o sol também se deita

para que eu possa voltar a

procurar

o amor que perdi

dentro de mim.

Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 03/04/2020
Reeditado em 26/10/2022
Código do texto: T6905512
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