A genealogia poética

A genealogia poética

Sumário

3. Apresentação

4. Dedicatória

5. Agradecimentos

Infinitas

Bon Vivant

Contornos

Paradoxos

Cumprimentos

Palavras

Sutil demais

Gostos

Vá!

Desisto

Led bis 14

Detalhes

Fios

Ei!

O amor em 10 dicas

No leito

Experimental

Volte

Fidelidade

Intenções

Encartes

Declarando

Revisões

Mutantes

Prometas

Comuns

Menções

Descuido

Porcelanas

Entranhas

Acertos

Espetáculo

Exigências

Trovões

Pretextos

Memórias

Transpirações

Romanoides

Rabiscos

Vestes

Respostas

Moedas

Antiquário

Castigos

Horrores

Contas

Abonos

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Infinitas

Já tive encontros com estrelas,

sóis, luas, arco-íris.

Já despenquei de arranha-céus!

Já tive encontros com fantasmas,

duendes, com o Peter Pan...

Difícil mesmo, acredite,

é encontrar o encanto

dos seus olhos.

Já tive encontros com o passado,

com o presente e até futurísticos.

Já reinventei a arte de girar a roda!

Fiz cirandas com as palavras mais doces.

Fiz doces com os vestígios que encontrei...

Há lembranças da renascença,

vivas dentro de mim,

mas inúteis!

Já brindei o ano que se inicia.

Já carreguei os ébrios vilões da consciência.

Fiz de tudo e pouco mais!

Entretanto, nunca fiz você aparecer...

E ser minha, apenas minha!

Já li Neruda, Pessoa, Camões.

Nerudei-me. Pessoei-me. Afeiçoei-me.

Já li Shakespeare, Tolstói, Lobato.

Busquei você nos céus e nos livros.

Fiz leituras e releituras.

Fiz firulas e conchavos de amor...

Cá estou, sozinho e frívolo,

ainda esperando, esperançoso,

o brilho real e palpável

do seu inigualável olhar.

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Bon Vivant

Viva aos rosas, a todos eles...

Viva à rosa, flor em botão!

Viva a todos os lábios rosadinhos!

Viva às carnes cruas e nuas,

aos cortes e decotes

que a natureza,

magistralmente,

construiu!

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.:.

Contornos

Sinto saudade de tudo,

muita saudade mesmo!

Apesar de estarmos longe

– Distantes no espaço-tempo

da carne,

sentia você:

o cheiro,

o suor...

As expressões da face;

as contorcidas do corpo;

as pernas cruzadas, em cruz,

prendendo-me dentro do teu corpo

– que tinha espasmos azuis.

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Paradoxos

Distanciar-se,

estando longe,

gera aflição conflituosa.

Distanciar-se,

estando a menos de dois passos,

maltrata o coração que espera.

A angústia

vem da expectativa colimada.

Ansiar

enseja recompensas gratuitas.

Afinal,

os consortes devem caminhar

na mesma direção, no mesmo sentido...

É essa busca que dá sentido

ao dissabor da espera,

fazendo valer a pena tudo que se perdeu

antes do primeiro encontro.

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Cumprimentos

Quando não dou “Bom dia!”

– Meu coração não tem café da manhã.

Quando não dou “Boa noite!”

– Meu semblante não tem o prazer de adormecer.

Quando negligencio e não dou

o mais singelo dos cumprimentos:

“Oi!”

– Toda minha essência se desfaz em angústias.

Quando durmo sem ter dito

“Deus abençoe você!”

Eu me flagelo, implorando novo encontro.

– Toda negligência me torna prisioneiro.

Mas...

Quando acordo sem o teu “Bom dia”!’,

seguido da qualificação de “Meu amor”...

Se adormeço sem que tenha ouvido

teu peculiar “Boa noite!”

Quando durmo

sem receber as bênçãos dos teus lábios...

Sinto-me perdido nas esquinas das ruas;

sinto-me alvo fácil das armadilhas dos outros

– Meu mundo não tem completude.

Portanto,

não pague o meu silêncio

com novo silenciar;

não retribua minhas falhas

com desatenções.

Faça mais por nós dois:

grite, esbraveje, cobre...

Nunca se esqueça

que

depois dos gritos

é que brotam nossos gemidos.

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Palavras

Quando palavras não resolvem...

É hora de parar o discurso e agir;

ou sentir, apenas sentir.

Se prosseguirmos,

apenas discussões haverá.

– O que deseja de mim?

Isso não depende de um,

mas de dois, dos dois!

O que quero não importa;

o que você quer,

também não.

Importa o que queremos,

um do outro,

um com o outro.

O que você quer de mim, ainda não entendi.

Tem ciúmes, sente algo por mim?

Responda-me ao que me pergunta...

Por que está aqui, por que insiste?

O que quer e o que sente...

Simples, responda!

Que responderei.

Antes disso, quem é você?

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Sutil demais

Percebo detalhes nos recortes.

Os perfeitos decotes, cortados;

os simétricos cortados cortes.

Perco-me em cada verso,

cortado pela luz do tempo.

Em você,

frente e verso,

existe a poesia e o reverso;

existe o corte da censura...

Cortês,

corto flores,

criando um buquê.

Tuas fotos,

as de frente

– anverso –,

que juntei ao longo do tempo,

formam o book

que encanta meu ‘versejoso’ olhar.

.:.

.:.

Gostos

Minha poesia tem saudade.

Tem gosto de despedida.

Sabor de beijo requentado,

de pão de anteontem,

causando amarguras.

Minha poesia tem vontade.

Tem desejo de repetições.

Sons de gemidos incontidos,

de pés no vidro do carro,

deixando marcas.

Minha poesia tem esperança.

Tem a certeza do reencontro.

Poder de agregação,

de resignadas tentativas,

buscando fugir dos medos e acontecer.

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Vá!

Por tudo em que acredita,

por favor,

deixe-me em paz!

Por tudo que ama,

por favor,

deixe-me em paz!

Ouvir suas acusações...

Não aguento mais!

Esperar sua eterna indecisão...

Não desejo mais!

Em memória

das noites que tivemos,

por favor,

deixe-me em paz!

Em celebração

a todas as promessas não cumpridas,

por favor,

deixe-me em paz!

Sentir a penumbra do seu corpo...

Não espero mais!

Explorar todas as possibilidades...

Não me instiga mais!

Vá!

Siga sua arrogância e soberba.

Entregue-se a todos os pretendentes!

Por que privar-se da vida,

enclausurando-se em suas mentiras?

Se existem tantos sedentos olhares,

se nunca serei nada, além de promessa...

A vida tem pressa,

vá!

.:.

.:.

Desisto

Estou desistindo de você.

Desconstruindo sentimentos;

desarrumando as malas.

Estou desistindo de tentar.

Desfazendo as esperanças;

desarticulando o paraíso que criei.

Estou desistindo da morte!

Desanuviando os tormentos;

desmantelando as pancadas que levei.

Estou desistindo de insistir.

Desacreditando em toda palavra;

desmoronando o castelo do Pierrot!

Estou desistindo.

Sou forte, precisarei ser.

Hora de dar adeus,

desistir de tudo,

menos de viver e ser feliz!

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.:.

Led bis 14

Vamos fugir

de kombicóptero?

– Sim, vamos!

Que as nossas asas

tenham imaginação kombática.

Vamos fugir

sem medo das ações bombásticas,

dos homens maus,

que guerreiam à toa!

Que as nossas Kombis cardíacas

bombeiem o fluxo do amor.

Que explodamos

na temperatura das combustões,

liberando carinho e amor.

Sim, precisamos voar!

Precisamos ousar...

Reinventar as asas

e as Kombis,

suas funcionalidades.

O que segura

as asas

de corações apaixonados?

Venha!

Pousei no jardim do sonho real.

Estou taxiando,

ansioso,

louco para decolar

e dar adeus

ao sofrimento.

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Detalhes

Todos viram quando ela passou.

Apenas eu,

a calcinha invisível

que lhe separava as carnes.

Todos ouviram os gritos da discussão.

Apenas eu,

a declaração do marido

que fez referência ao outro.

Todos perceberam o desvio.

Apenas eu,

a justificativa da senhorita

que necessitava pagar a faculdade.

Todos se sentiram a perda.

Apenas eu,

o desnecessário da mágoa

que desagregou toda a família.

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.:.

Fios

O tempo veio

fortemente.

Carregou meu viço,

energias e pele angelical.

Mitigou minha beleza,

tirou minha visão.

O tempo veio

lentamente.

Trouxe sabedoria,

paciência e resignação.

Fortaleceu minha fé,

abriu meus os olhos do meu coração.

Ontem

havia pressa e ansiedade.

Hoje

há parcimônia e paz.

Ontem

eu gerenciava

a vida dos meus filhos.

Hoje

minha netinha

me põe para dormir.

Ontem

eu era feliz

na mocidade.

Hoje

sou mais ainda

– Encontrei paz.

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Ei!

Leia a lei.

Tateie a tez.

Eia, pois...

Alheia, feia!

Ateie fogo

– A teia ardeu.

Ateia,

não reza.

Aleatoriamente,

amei.

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O amor em 10 dicas

O encontro é aleatório,

depende de sorte, do tempo.

Depende de estarem lá,

qualquer que seja o lugar,

juntos e se entreolharem.

O campo visual

atrai o campo sensorial.

Olhos, ouvidos, mãos

– Todos os sentidos se aguçam.

Dica #1

Evite o fora!

Dica #2

Arrisque-se! Faça-se perceber!

Dica #3

Teste o poder da voz.

Se perceber arrepios, prossiga.

Dica #4

Teste o sorrisômetro.

Quanto mais sorrisos arrancar,

melhor.

Dica #5

Sonde, sem assustar.

Dica #6

Evite a pergunta crucial:

'Casado?'

Dica #7

Não minta.

Evitar é omitir,

mas seja sincero.

Dica #8

Aceite a desculpa

mais descabida que existe:

'Adorei sua sinceridade,

mas não saio com casados'.

Dica #9:

Convide, leve o fora.

Dica #10

Se levar um fora,

não insista.

Leve apenas um.

Mulheres

odeiam homens insistentes.

Se em algum dia,

ela mudar de ideia...

Dará um jeito

e fará você perceber

que mudou de opinião.

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No leito

Belezas não morrem

precocemente.

A matéria se decompõe.

As bactérias atuam.

Os traços viram troços.

Ah, mas a beleza

que existe

na musalogia poética

não cabe

no entendimento humano.

Temores

todos temos.

Tumores,

temos também.

Que horror

todos esses horrores.

Pudores

poucos possuem.

Odores,

ode onomatopeica

do escarro viral.

Prefiro a dama ardente

- Que arde ao entrelaçar-se.

Prefiro o fogo da vulva

- Que arrefece, quando escorre.

Temes o que, dize-me?

A agulha que penetra, silente?

O sangue que escorre,

covardemente?

Quando saíres desse leito,

esbanjando feminilidade...

Quero arrancar-te o juízo!

Quero arrancar-te do peito

o melhor do teu leite,

antes do primoroso parto!

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Experimental

Há modas

que incomodam.

Havia cômodos

sem camas.

Damas

Sem modos.

Incômodos...

Amas sem cômodas.

Odes desfiguradas,

tristes, sem fama.

Houve um sultão

acomodado.

No amor,

Desafortunado,

Viveu ao sabor da sorte,

jogando dados.

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.:.

Volte

Teu perfil

em preto e branco

colore minha memória.

Os sulcos da face.

O sinal de beleza.

O olhar circunspecto...

Teus cabelos,

pendentes e tendenciosos.

A expressão do teu nariz,

empinado e soberbo.

Ah, quanta força,

quanta indecisão e volatilidade,

também!

Quando pensei no encontro

você sumiu, simplesmente.

Quando tive a certeza da indiferença,

reapareceu.

Maluquices, traquinagens, peraltices.

Maluquinha, minha maluquinha!

Saia do perfil,

desvincule-se desse olhar lateralizado.

Seu caráter é de mulher frontal,

que olha nos olhos e...

Simplesmente mitiga

todo e qualquer homem

que ouse desafiar

a timidez do teu silêncio.

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Fidelidade

Manterei minh’alma íntegra.

– Meu espírito não se abaterá.

Que os algozes maculem meu corpo.

– Meu autodomínio e sanidade,

construções do terror da clausura,

alicerçaram meu inabalável senso.

Tenho obrigações.

Nunca abrirei mão da missão

que me sangrou a tolerância.

Diante das inocentes peles escalpeladas,

o dever esculpiu meu julgamento,

sublimando as misérias da humilhação.

O tormento é a sinuosa trilha

por onde passam a perseverança e a vitória.

Esperar o reencontro,

manifesto na concretude do amor,

liberta-me da prisão e me torna,

enquanto humano e falho,

maior que mim mesmo.

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Intenções

Sou demasiado humano,

submetido ao extremo da privação.

Casca, máscara do subterrâneo,

sou a espiritualidade que não se perde.

O que tenho de verdadeiro

é o animalesco da cognição.

Não sou, absolutamente, bicho

– Meu nicho racional é a consciência.

Reduziram-se ao miserável do ser.

Apresentaram-me ao pavor da guerra insana.

Elevei-me ao estágio de santo,

no antro fétido da campânula.

Submetido a extremos,

autossacrifício da desesperança,

resisti a todo sacrifício...

Convicto da certeira rota hercúlea,

despi-me do egoísmo.

Não sou leviano nem efêmera cultura.

Autotranscendo o inesgotável d’alma.

Indo além, buscando da vida o sentido,

justifico, pelo bem que sou e represento,

a moral da existência.

.:.

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Encartes

Viver é enigmático.

O encarte encarnado,

da encantadora vida,

revela o vergonhoso

mundo interior

de cada um de nós.

Evidencia-se

o fio condutor

de factoide evolução

- Orgulhosa soberba

de esquecidos humanoides.

Hábitos corrompidos.

Hálitos automatizados

- Bocas que murmuram paz,

línguas professando o desamor.

Engrenagens.

Ideias cegas, mecanizadas.

Mesquinhos pensamentos;

estúpidos viventes.

O instinto

vencendo a razão.

O pérfido

aniquilando a honradez.

Perspicaz,

ouso transgredir

a força da mediocridade,

gritando a verdade

do amor.

.:.

.:.

Declarando

Meu mundo não é mudo.

Ir fundo em tudo;

permanecer surdo

no imundo do ser...

Reflete-se na tese do ter

e se ter,

flerte basal.

Idiossincrasia poética.

Utilidade do verbo;

esquecimento do vulgar.

Errar é derivação

pecaminosa do desejo.

Eis a razão da bondade,

um sentimento.

Aqui é que está o que é bom

- Dentro de mim!

.:.

.:.

Revisões

Apenas o homem precisa conquistar?

Nada disso! Reveja suas fontes.

A conquista é mútua

- Você se deixa conquistar e é conquistado.

Engano-me,

ou a isso damos o nome

de relacionamento?

Relacionamento a dois...

Salvo melhor juízo,

se assim não fosse,

estaríamos literaturizando as relações.

Pelo menos nesse caso,

eu teria a melhor resposta:

- Não seria diálogo,

mas monólogo...

Diálogo, só existe a dois!

.:.

.:.

Mutantes

Existem mulheres-lenda,

mutantes como as borboletas

– Quando penso que estamos,

não estamos;

quando penso que não estamos,

elas ressurgem,

serelepes e sorridentes,

como se tudo fosse flores...

E a vida um mar de borboletas.

Que mortal aguenta?!

Elas desaparecem,

catam borboletas, em retiros eremitas,

e retornam, multicoloridas,

em infinitos tons de reencontros,

entre o soar das Astúrias

e o ressoar dos mortos.

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.:.

Prometas

Com metas,

cometas

comem tetas;

gametas

ganham

metas.

Dietas.

Pró-diretas.

Prometas!

Com o ter,

conceder

conserva o ser.

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.:.

Comuns

A natureza é mesmo encantadora.

As ideias possuem naturezas;

as pessoas, também...

E a natureza humana gera perplexos

– Excessos que subestimam ou supervalorizam.

Teríamos algo em comum?

Encontrar comuns depende de experimentar.

– A aproximação revela afinidades.

Seria verdade?

Não é à toa que defendo o diálogo.

As palavras não devem ser soltas,

simples e aleatoriamente;

a vida, feita de descobertas,

encantada quando diante das palavras.

Todas deveriam possuir razão de saírem,

singulares e certeiras, diretas ao ponto!

Dialogar exige reflexão.

Embora esteja tudo muito rápido,

relações fast food,

boas colocações verbais ainda emocionam,

excitando corpos e encantado almas.

Sim, palavras devem provocar arrepios!

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.:.

Menções

Devo ser mau.

Por exigir-me distante,

sou alma complementar

– Um ser ao-lado.

Quanto ódio existe

no teu amor não satisfeito.

Queimamos nossos portuários corpos

– Caldeirões de naufrágios.

Queres reinterpretar-me?

Então, eis que me revisto...

Despojando-me do veneno

insidioso do teu ressentido olhar.

Que nos sintamos finalmente livres.

E que minha consciência macule

o inconsciente da tua inocência

– Transformando monstros em contentamento.

O fogo gera vida, metabolismos...

Fugirei do teu incendiário corpo.

Sereno, conduzido pela veia poética,

tua beleza, eternamente, hei de celebrar.

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.:.

Descuido

És a fera loira

que me ronda o tormento.

Sinto-me ainda preso

– Presa fácil,

submisso ao teu laço de fita.

Oculta,

a vitória que não tenho.

Aflorando,

a selvagem amplidão

da tua nobreza.

Qual Péricles,

minha audácia abriu passagem!

Tua persistência, entretanto,

celebrou funesta oração.

Amei como bárbaro

– Estrangeiro e retirante e vil.

Ousei como poucos ousaram

– Destruindo preconceitos e medos.

Pena que os novos temores, insensatos,

mantiveram fechadas as comportas.

Entre o bem e o mal,

venceu o imponderável medo

– Razão da eterna busca

que não finda.

Fui audaz e descuidado.

Desprezei a segurança do contato;

relaxando no conforto do teu corpo

– Abrindo mão da segurança do porvir.

Se fui vítima,

da crueldade e da volúpia,

banhei-me de recordações

que compensaram tudo.

.:.

.:.

Porcelanas

A desconfiança acede,

ao meu íntimo,

resquícios da tua malignidade.

Meu coração congela, sofregamente.

E dele, todas as pulsações

se tornam glaciais e ressonantes

– Horror indizível da solidão.

Amei-te como em Hesíodo,

definindo épocas e eras e fases,

na intensidade dos nobres metais.

Foste o ouro da minha existência;

a prata dos meus desalentos...

E o bronze onde insculpi

meu coração, sangrado e gélido

– Paradoxo imortal dos sentimentos.

Ah, mas o meu amor é Homérico!

Magnífico, espantoso e violento.

Contraditório,

também se enxerta de frieza e insensibilidade.

Instintivo, ele se quebra,

subjugando os próprios ideais.

.:.

.:.

Entranhas

Sufoquei meus suspiros.

E, ao desenganei minha esperança,

continuar tornou-se insuportável.

O ar, viciado e irrespirável,

abateu meu encanto primário.

Amar não pode ser mesquinho.

Almas que jorraram de prazer

não deveriam, nunca, fracassar.

O subterrâneo enleva-se

quando a luz do sentimento colapsa.

Trevas migram diante da luz

– Combatem e se misturam,

gerando a entropia indestrutível

que edifica o falível homem,

de sentido e sentimentos imperecíveis

– Paradoxo da existência.

.:.

.:.

Acertos

Tua ausência,

insuportável e permanente,

desfaz a existência

de toda real possibilidade.

Amar no subterrâneo,

para uma alma que exige voar,

inspira cuidados cutâneos

que me desolam

– Péssimo sinal.

A luz se manifesta no combate.

A hora dourada sobreveio quando nasci.

O indestrutível do meu ser,

vigoroso universo de perspectivas,

arqueou-se em flecha ardente

– Estou pronto

para o mais difícil combate:

Descobrir você!

.:.

.:.

Espetáculo

O poeta justifica o poeta.

Da felicidade projetada,

surge a redenção triunfante

que complementa a inspiração.

O poeta se faz grandioso,

expandindo-se na pequenez

do homem igual.

Incomum,

ele transcende o perigo

mesquinho do espetáculo,

apavorando o verbo

ao declinar o verso certeiro

que não cansa.

O poeta não teme o homem.

Gentil,

apenas o criva de sonhos,

sem o leviano ardil

da indiferença.

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Exigências

Exteriorizo-me,

enquanto força,

em razão do que desejo.

Meus quereres são:

Conquistar.

Subjugar.

Tornar-me dono.

Aniquilar inimigos.

Sendo resistência de triunfos,

seduz-me o engano

do teu irretocável beijo.

Errei a linguagem

– Do verbo fiz verso.

De viés petrificado,

condenei-me ao claustro

quando decidi,

por impulso de vontade,

redescobrir-te em plenitude.

.:.

.:.

Trovões

Minha solidão troveja.

Tens dualidade na ausência

– És a causa do meu sofrimento,

afetando,

em demasia transcendente,

o consequente vulcão

que eruptou.

A força move a frieza

e desmorona

meu convencimento.

Meu tributo,

razão das cobranças d'alma,

castra a liberdade nua

do meu afeto negligente.

Se fui monstro,

és a fada a desembaraçar

o substrato e a linhagem

da minha iniquidade.

Tramei a vingança do amor!

Impondo limites ao ódio,

brutalizei-me

– Sem ferir ninguém.

.:.

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Pretextos

Olhando para baixo,

eis que surge o segredo.

O enigma do homem moribundo

– Que deságua a vida em mágoas,

emergindo, sôfrego e renitente,

ao sair do fundo.

Da visão desimpedida,

temerária e reticente,

surge meu furor mutante.

– Se tenho curiosidade,

reflexa em mim, qual refração,

perco-me em devaneio errante.

Fiz-me escudo da cegueira,

inaudível profusão de medos.

Pelo tato, tenho a mão delirante

– Que pulula nos teus braços.

Do teu sensorial encanto

brotou meu desejo amante.

Do amor, tens o meu sussurro.

Do mérito, minha melhor fraqueza.

O galope da mentira é retumbante.

– E faz do teu passado um eco!

Submisso à imposição do tempo,

curvo-me à dor qu'aflige, lancinante.

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Memórias

Sou homem de abismos.

O imensurável da confissão

diverte meu singelo pensamento.

Tenho alma real,

mesmo estando personificado

– Enjaulado em personas.

Sou a imagem desfocada de tudo.

Fujo dos padrões do reconhecimento.

Odeio as repetições da máquina

que recria realidades,

sufocando minha efetiva memória

– Que aparência temos de nós mesmos?

Não quero amoldar-me à tua verdade.

Não desejo ser depósito de fantasmas.

Meus temores incontáveis

transbordam em vergonhas indizíveis.

Tenho dores, alucinações, medos.

E sofro para muito além

do teu precário entendimento.

.:.

.:.

Transpirações

Fraquejei em meu inofensivo caráter.

Inelutavelmente paciente,

esperar é tortura que persiste.

Haveria virtude na passividade?

Perdoar ou vingar-se

– Qual a melhor condição?

Transpiro ao amar,

suores densos.

Ao odiar, conspiro

– Temores vastos.

Quão miserável é meu canto!

Falsário, distingo-me do outro...

E meu calvário é recompensa,

em oiro casto,

da falsa e formidável

beatitude dos metais.

'Basta! Que ar irrespirável!'

.:.

.:.

Romanoides

Oculta e silenciosamente

sangram

meus antípodas naturais.

Digladiam entre mundos

– Um que ama sem limites;

outro que, de igual modo,

odeia.

Contra-naturezas monstruosas;

convicções apocalípticas

– Indícios de perene dissensão.

Se a vida

for grosseira explosão,

vingança de contrariadas consciências,

– Entrego-me

ao animalesco dos instintos

para ser feliz.

.:.

.:.

Rabiscos

Meu amor

tem existência precária.

Está dentro de mim,

insone, temerário.

É sombra.

É delírio.

Meu amor

é fantasmagórico.

Encontra-se acuado

pelo desalento

da tua persistente indecisão.

É tortura.

É tormento.

Meu amor

é casto e pueril demais.

Permanecerá imaculado,

enquanto tua boca não vem.

É espera.

É angústia.

Meu amor

será somente teu...

Enquanto perdurar

a esperança.

.:.

.:.

Vestes

Revisto-me de ideias.

Revistas velhas,

na banqueta do consultório,

revistam meu inconsciente.

Visto-me com esmero.

No aeroporto,

ao embarcar,

tenho o visto carimbado.

À vista,

comprei o bilhete.

Do céu,

a vista encanta

– Tenho visões fenomenais.

Isto é meu:

O templo do espetáculo.

O Cristo do oráculo.

O amor sinistro.

Vista-se, meu bem!

.:.

.:.

Respostas

Sou, enquanto homem,

necessário.

Uniforme e semelhante,

sou gregário.

Tenho responsabilidades.

Sou calculável e fugaz.

Justifico-me na significação

primária dos costumes em cartaz.

Sou, enquanto indivíduo,

soberano.

Moral e autêntico,

sou demasiado humano.

Tenho independência,

sou persistente e loquaz.

Prometo a liberdade encarnada,

plenificada nos jornais.

Sou orgulho, privilégios;

instintivo e dominante.

Sou a própria consciência

do instante.

.:.

.:.

Moedas

Tenho faltas

para comigo

e para com o mundo inteiro.

Tenho dívidas

para com o mundo inteiro

e para comigo.

Dúvidas, também as tenho.

– Devo pagar tudo?

Em razão das dívidas

sofri represálias;

tive vontade de sumir,

castiguei-me.

Privei-me da liberdade

consciente.

Por intenção, descuidei-me;

malfeitor, fui julgado e condenado.

A cólera humana caiu sobre mim...

E equacionaram o dano que causei.

Dano que provocou dores

– Odores putrefatos entre os que negociam.

Meu credor é devedor do mundo.

Tenho créditos

para comigo

e para outros seres moribundos.

Sou escambo.

Fui comércio.

Estou intercâmbio.

– Entre moedas desvalidas

que deságuam em pesadas faces

de sorrateiros homens

que não valem nenhum vintém.

.:.

.:.

Antiquário

Das antiquadas relações,

promessas vazias

que persistem apenas na memória,

suspeito e faço resistência.

Abundantes, rudes e cruéis,

nada prometem a nenhum credor.

Não inspiram confiança;

nem possuem o viés da consciência.

Em razão de um contrato que firmei,

devo, por obrigação, indenizar.

Tendo por bem apenas a liberdade,

estando em crise, fadei-me à insolvência.

Meu corpo, alegoria mercantil,

sofrerá o ultraje das torturas.

Picotado em partes desvalidas,

valorará o ego atroz da inconsciência.

Que lógica haveria na compensação?

Que vantagens animaria a fúria danosa?

O deleite está no antegozo da maldade...

E o sofrimento é a iguaria da abstinência.

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Castigos

Viver é rodear-se

de cheiros e torturas.

O odor do sangue

banha meu caráter fundamental;

as sevícias me hipnotizam!

– É na mentira eu encontro

o repouso do meu melhor cinismo.

Respirar é dissolver-se

no categórico metabolismo basal.

Impera a lei do sofrimento;

o dano vem da insolvente dúvida.

Regozijo-me quando se curvam!

– Paguem meus tributos!

O melhor atributo da maldade é o prazer.

O subterrâneo é doloroso,

contradito clarão que reina nas trevas.

A vingança tem espessura e tez;

é áspera e sangra a pele nua...

Dissipam-se as ideias benevolentes.

– Que meus problemas cessem!

O reparo não é retalho cingido à mão.

Somos delicados hipócritas domesticados,

cultores de prazeres culinários.

Em nossos sermões os melhores ingredientes:

a ingenuidade, a inocência, a simpatia.

Penetramos no festivo a vida.

– Que as deusas nos encantem, sim!

O amargo da boca é a doçura da cama.

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Horrores

Há, dentro de nós,

moinhos que rangem.

Somos águas torrenciais;

fonte d’onde brotam luxúrias.

Temos leitos serenos;

álveos arenosos e fundos, cheios de lodo.

Há, dentro de nós,

pântanos que assustam.

Temos temerários instintos...

Dos quais jamais me envergonharei.

...

Se existo, sofro.

Com ardor, invoco a dor

que sinto.

O que me constrange

é não saber por que sofro.

Por quem, responderia.

Por quê? Não sei.

Cúmplices da vida,

palco de novidades,

somos monótonos espectadores.

Num cenário forjado,

de tenebroso livre arbítrio,

encantam pelos olhos,

com a cegueira da consciência.

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Contas

Sou pessoa.

Travei confronto pessoal.

Dívidas.

Saldos.

Pessoas passam.

Ressoam pássaros.

Ecoam sons...

E passos coam meus assombros

pessoais.

Estimo valores per capita.

Capto amores que estimei.

Comprei.

Vendi.

Troquei.

Travei confronto pessoal.

Sou pessoa.

...

Vendi-me.

Paguei o preço:

– Amei!

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Abonos

Para medir o tempo,

contei os arrufos

do vento.

Usei como medida

o tormento

dos horrores que não aguentei.

Medi com antigas medidas,

arrancando, da pele,

as estrias

que deixaram curvilíneos sulcos,

cheios de assombração.

Tenho o preconceito

da pele rasgada;

a hostilidade da calejada mão.

Tenho o hálito expatriado;

proscrito dentro de mim mesmo.

“Fautor de ruptura”,

recuso-me à paga do amor!

Pelo abandono que tive,

sou credor irrefutável

de todo e qualquer coração.

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 17/01/2020
Reeditado em 17/01/2020
Código do texto: T6844454
Classificação de conteúdo: seguro
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