O PEDINTE AMANTE
O pedinte deficiente,
pernas atrofiadas,
sentado na calçada da avenida,
caprichou no perfume.
Talvez ele queira que notem a sua deficiência
(ao oferecer um perfume )
ou talvez, à noite, o pedinte
venha encontrar a sua amada
deficiente cega
e já quer estar pronto.
O pedinte também anota uma poesia:
“Não sou cordeiro,
mas, perto de ti,
eu me sinto carne nobre,
eu me sinto inteiro, ajeitado, puro
e dono dos meus músculos.
Oh, perdoe este meu jeito ruminante!
Sou eu,
eu sou assim,
apenas metade do que seria
e esmolas não me recomporão.
(são cuidados que não pressentem
a sentença da minha morte).
Você, no entanto, está em outra rota,
instante de medo sim,
mas você é a rosa;
outro instante de percepção,
meu amor”.
De súbito a poesia quase estraga
a pobreza sagrada do pedinte;
diante do estalo de uma moeda ele diz:
- Bem vinda seja essa oferenda, flor da manhã
e que Deus redobre a sua graça sobre ti!
DO LIVRO: NOVA MECÂNICA