O compasso da canção
O clarão da aurora ilumina o salão
Ainda estou lá
A valsa ainda toca
Tiro a solidão pra dançar
A música ainda é a mesma da noite passada
Mas fingimos que o compasso mudou
Ela dormiu com a rosa que a dei
E mesmo despedaçada, ainda consigo sentir o seu aroma
E isso é suficiente para saber que esse cheiro pra mim já é estranho
Não vou destilar esse sentimento em álcool
Nem sentir saudades daquilo que nunca conheci
Dizem que as díades não formam acordes, são apenas intervalos
Mas nesse mundo, jamais seremos uma tríade
Somos a escala certa
Mas aplicada à canção errada
Às lembranças me atormentam
Se sempre dançamos de mãos dadas
Como eu não pude perceber o momento em que fiquei aqui
Sozinho
Vendo o dia amanhecer no salão vazio
Com um Sol que queima, mas não me aquece
Eu sei que você se foi
Mas também sei que ainda não partiu
Ainda dá tempo de cancelar o bilhete e passar a noite comigo
Sei que te pedi muito mais do que agradeci
Mas também te cortejei como nenhum outro
E no fim da dança te fiz (sentir) mulher
E não apenas minha mulher, mas a única rosa
Jamais polinizada a desabrochar em meu jardim
A saudade cresceu como erva daninha nos campos de craveiras
E esse parasitismo cruel esgota todos os nutrientes do meu corpo
Minha alma agoniza e definha sem teu calor
Vem me aquecer pois sem ti o Sol é inútil
O mundo perde a cor
Tudo é ressonante
Vibra na mesma frequência
Monotonia
No meu antiquário há várias relíquias
Que cuido e sempre cuidarei com todo carinho
Mas nele não há você
Você o observa comigo, mas insiste em se comparar
Sabes que sou teu, somente teu
E que tua dúvida me cala
Roubaste meu riso
Arrebataste meu sono
Devolva-me o que levaste ou leva-me contigo
Se você não se apressar talvez alguém possa me levar
Te esperarei a vida inteira
Mas não jurarei eternidade a quem sabe esperar
Se chegares muito tarde, peça-me de volta
Pois doravante escravo teu serei
Pois roubaste não só meu riso, minha razão de viver
Roubaste a mim mesmo e pra sempre pertencerei a você
Mesmo que te amando, no fim acabe amando um outro alguém
Mesmo sabendo que isso não é certo e nem nos convém
Não é uma questão de ser correto ou ter razão
É algo que não tem como mudar, fora de questão
Não posso decidir simplesmente amar ou desamar
Ou meramente a quem
Mas em todo o universo ou imenso mar
Eu sei que você, em singular, eu sempre vou amar.
E se mesmo assim você não voltar
E a rosa que te dei agora germine em outro lugar
Saiba que jamais as mesmas cores ela terá
E o teu aroma jamais arrebatará
Nem mesmo teus espinhos, os dela estarão em outro lugar
Mesmo que eu tenha esquecido alguns dias de te regar
Saiba que em nenhum momento eu esqueci de te amar.
E saiba que até mesmo quando para outros jardins eu olhar
É no teu que eu quero estar.
De volta ao salão,
Dançando num museu de cera,
Você pode até estar comigo,
Mas por hoje, dançarei com a solidão.