Em mim tudo é sede
Em mim tudo é sede
O oceano virou pedra
Os rios desapareceram
Eu desapareci, se é que um dia existi
Envelheci para as minhas sensações
Não me alimento mais de poesia
Envelheci diante da saudade
Essa saudade que constrói moradas para ninguém em mim
Tão sozinha caminho eu
Com as minhas perturbações
Cheia de angústias desmedidas
Sem sentir a inquietude da vida
Sem sentir o tempo
Envelheci para a minha história
Sou página amarelada cheia de anotações
O ridículo era falar de mim
Hoje o ridículo sou eu
Não há mais vento ou tempestade no meu céu
Não há mais sorrisos ou diferenças no meu eu
Tudo tornou-se comum
Tudo virou cinzas
E a meia onde eu guardava minhas ansiedades tem furinhos
O letreiro da loja de veículos anuncia vendas
Eu doei meu solo ao homem das plantas
Fiz-me serpente para enganar Eva
O bem e o mal travam batalhas dentro de mim
Fui sua mulher outrora
Tornei-me feiticeira de almas
Cigana do amor
E ser sua mulher nem foi pouco ou muito
Foi o infinito do meu ser
Castraram minha ingenuidade
Você me castrou
Levou de mim o furor
A sede de ser coragem
Não tenho mais nada. Não sou mais nada. A existência dorme num pensar qualquer
A aliança está em cima da mesa
Cuidado com o cão
Vou ser outra nas minhas coisas
E as coisas só são coisas porque damos-lhe nomes
Senão não seriam nada
Iguais a mim que sou o não-ser da minha existência
E sonho com Dédalo
Mas sou figura trigonométrica
Um seno de qualquer coisa
E as coisas são coisas e mais nada.
Rosângela Trajano