Coração de sobra
Coração de sobra
Vez em quando, o silêncio
Este amigo, já provado
Vem em mim lembrar meu pai,
O meu velho pai amado.
Um pouco da minha história,
Quem conhece sabe o que digo.
Fui criado pelos avós,
Meus velhos pais queridos.
Não deixaram falta nada,
O alimento o abrigo o carinho.
Cedo pegavam na lida,
Tarde se iam pro ninho.
Muito conforto não havia,
Naquela lida de roceiros.
Luz, água encanada, que nada!
Vida de lampião, banho de gamela, braseiro.
Lembro cheiro de saudade,
Como um rito ou um sacramento.
O nosso fogo de chão,
Fogueira de felicidade,
Roda de ensinamento.
Mas umas das coisas do pai,
Que eu gosto de lembrar
E de onde tirei uma lição,
Lembro-me dele cansado,
Montando o cavalo suado,
Chegando da plantação.
A roça ficava distante
Levava comida o bastante,
Para uma pessoa, entretanto
Eu imagino o pai almoçando,
A comida que levava,
Medindo as colheradas,
Para que sobrasse um tanto,
Lá em casa um guri ansiado,
Olhava a estrada e aguardava
Talvez um pouco de fome o pai passava,
Mais o costume repetia,
E dia-a-dia após dia
Um pouco de comida sobrava
Pro filho que o recebia
Hoje eu penso e me espanto,
Porque eu fui gostar tanto,
Do resto que meu pai trazia?
Não é que eu estivesse com fome.
Mas a sobra lá da roça
Não tinha comparação
Era um gosto de amor, de carinho, de perdão.
Era mais que um: eu te amo!
Era um: vem, me segue!
Um vai, toma minha mão!
Era um carinho que se faz na alma
Com a mão do coração.
E sobra um bocado até hoje
Pra quem eu amo, pros meus amigos, pros meus irmãos.
(Darci Martins Ilton).