enganos
não há maneira de esquecer um amor genuíno
pois o esquecimento é um limbo sem raízes
perde-se em sua própria insignificância,
cotidiano vão.
o amor genuíno que se viu atrás de uma porta trancada
inerte após uma palavra enviada
pálido diante de um flagra
daqueles olhos esquivos que já significaram o mundo inteiro
ah, este amor, que perdeu as folhas não pela chegada do outono
mas pela brutalidade tortuosa de um incêndio
este amor não pode ser esquecido.
sufoca-se, dia após dia, nas ordinariedades
estresses e inquietudes de um viver banal.
esconde-se, criminoso, no terrível pique-pega autoimposto
no comprimido à beira da cama
na noite de álcool e luzes que mimetizam o infinito.
rasga o tecido do palco naquela música exata
naquele poema desgraçado
na lembrança que vem sem causa, na idiotice da quebra de um copo
num riso familiar no trem
ah, maldita, maldita seja sua genuinidade
que faz o sangue correr grosso nas artérias
o pulmão pressionado no abismo torácico
que transforma a realidade num nada completamente inútil
cada acordar pior que o outro
todas as palavras terrivelmente insinceras
até que, entre os lençóis de outro,
encontra-se em frangalhos irreconhecíveis
e, sem identidade própria,
parece ser algo que não mais é.
e assim parece que não era amor
para justificar o bater de um coração já morto
oferecer um novo caminho aos pés quebrados
no eterno labirinto do engano
de fingir que o genuíno nunca existiu.