GALOPE TRIUNFAL
Daquele amor atrofiado e triste
de paredes tomadas pelo mofo,
de voz trêmula e opaca,
de andar cabisbaixo, surrado.
Parecia membro amputado,
de alma coalhada e distante,
vivendo num marasmo febril,
descarrilhado da razão,
carniça desprezada pelos urubus.
Outrora tinha asas, tinha raça, tinha sangue,
outrora esbanjava temperos e gostos,
outrora era atalho, era voo feliz,
outro era fruto preferido de Deus.
Mas o tempo destituiu o enredo original,
descoloriu sua varanda,
desaguou seu suor,
desfez cada pétala que teimava em sorrir,
em abraçar, em fecundar.
Mas, apesar de tudo,
ainda guardava o cheiro original
num canto qualquer do seu chão.
Cheiro já mordido pelos ventos,
já chicoteado pelos gomos do desprezo,
já enferrujado pelos sinos do desquerer-bem.
Certo dia, esse cheiro puído,
se deu conta de que ainda tinha chamas a rimar,
ainda tinha alma a sacudir,
ainda tinha colo aquecido a acariciar.
Daí o grão virou farto pomar,
o podre virou ventre divino,
o tumor virou bênção plena,
o traste renasceu amor com todos seus encantos,
com toda sua bravura,
como todo seu galope triunfal.