Vento
Somente um grande amor poderia trazer-me
até aqui.
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Está vento, um vento frio, cortante,
um vento que nos trespassa como rajadas de balas,
que nos arrasta como folhas de outono,
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Um vento secreto, húmido e pegajoso,
um vento poderoso, orgulhoso,
tumultuoso
como as ondas – que acima da praia as levanta
e faz estrondosamente rebentar,
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Um vento oculto, motor acelerado
como o galope de um coração atormentado
pela alta voltagem dos cabos de distribuição
saídos da central,
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Um vento animal. Obscuro, como a força
com que o infante se torna adulto,
com que a leoa surpreende a presa
ou a cheetah a persegue ou a hiena
se precipita sobre a carcaça já explorada,
ou a gazela pasta sob os espinheiros das acácias
descansando à espera das horas refrescantes do entardecer.
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Um vento trivial. Como as conversas que
emergem do ruído de fundo
na esplanada onde me encontro sobre a marginal.
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Somente a ventania poderia trazer-me
aqui,
até ti
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© Myriam Jubilot de Carvalho
27 de Março de 2004
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