MINHA ETERNA FANTASIA

Lembro-me
dos restos dos carnavais:
missa na matriz
confetes e purpurinas
rolando no silêncio das ruas
- Era quarta-feira de cinza -
Mas a mim pouco importava
aquela melancolia sagrada

Tinha sido muito forte
o final da última tarde
daquele meu primeiro carnaval

Senti então que a criança
que a doze anos
viva agarrado em mim
resolvera de súbito me deixar

Não havia fantasias
no meu corpo
- Eu era eu mesmo -
passando por uma suave
e certeira transformação

Viajava na alegria
dos passistas
dos pierrôs
e dos passantes

Quebrando as esquinas
na descida do morro
ia aos pulos
aos passos disparados
na esperança de chegar a tempo
para ver último desfile

E rapidamente me colocava atrás
da derradeira charanga
catando os confetes
caídos na avenida
e as sobras quebradas
das máscaras esquecidas

E assim fazia
a minha primeira folia

Pela calçada seguia
fantasiado dos restos
daquela alegria
quando na minha frente
meio alegre, meio triste
encontrei a rosa mais bela
- A rosa escarlate da avenida -

Na sua boca vermelha
o batom escondia
a sua meninice
e no silencio
das nossas fantasias
de pronto a recobri
com a minha pura alegria


(Poema inspirado na crônica de Clarice Lispector - RESTOS DE CARNAVAL - publicado no Jornal do Brasil em 16 de março de 1968. Fonte: www.cronicabrasileira.org.com - A descoberta do mundo. Rio de Janeiro. Rocco, 1999, pp. 83-84)