O DEDO NA FERIDA
Queria sim por determinadas horas
Ter a frieza contida no olhar do bandido
Não sei porque tanto me incomoda
As janelas dos olhos
Buscam tantas outras janelas
Tão longe e tão perto de tudo
Tão populoso e tão deserto ao mesmo tempo
Tantos segredos guardados
Por trás das persianas deste olhar...
às vezes tento emparedar meus sentimentos
Aqueles que ficam no porão do meu ser
Do meu mais escuro entorpecimento
Na epiderme dos ácaros mais íntimos que minha pele
Guarda sem sequer saber de sua existência
Tento me raptar
Para além de algum lugar
Que não seja meu lar
Que sufoque meu ar
Que me asfixie
Sabendo que depois do mergulho
Não tem tona pra se precipitar
Não tem puta na zona pra se escolher
O jeito é dormir em apneia
Ao me libertar
Tipo nos olhos
De quem quer morrer
E não consegue se desprender
Quantos sinais vitais ainda lhe restam
Que droga de vida terminal é essa
Que pressa maldita e infernal é essa
E agora cá estou na mãos dos outros
Eles decidem a hora e a data
Riem e zombam gozam da vida
E eu aqui vivendo do seu efeito colateral
Entubado e a grosso modo me sinto
Violado em meu direito de morrer
E eles me ignoram com água e sal
Como se fossem no mercado comprar peixes
E me enrolam num jornal de data ultrapassada
Que depois jogam no lixo pois suas credenciais
Podem me matar sem serem ou se sentirem culpados
Tenho que fugir
Cadê forças???
Tipo um urubu no céu vertiginoso
Rasgando as nuvens
Me purificando da carniça lodosa
Do cheiro da morte
Na solidão conspícua dos seres alados
Que buscam o céu com seus músculos rasgados
E acabam exaustos nos crepúsculos noturnos
Cujos gatos pardos estão à caça de seres desalmados...
As bactérias só atacam o que desistiu da vida
Jamais atacam a fruta no galho
Só quando elas desistem e caem é que apodrecem logo
Sob a tutela das limpadoras que fazem logo a limpeza
É assim a vida
Quantos lados sombrios
Quantas luzes
Quantas te dão a liberdade
E quantos te apontam as cruzes...