Mais de mim, menos de você

No princípio havia muito de nós.
Dosagem quase perfeita de um futuro amor.
Havia palavra que alimentava a relação.
Era fogo ardente na alma – era mais que paixão.

Aos poucos o "nós" ou os nós foram desfazendo.
Foi minguando a palavra de alento.
Fui buscando interrogar o pensamento.
Até que li seu desinteresse.

Tive que retomar o texto complicado.
Cheio de significados nas entrelinhas.
Reli inúmeras vezes e em momentos diversos.
Não queria entender o sentido claro.

Não queria perder o nós.
Queria manter a relação singular.
Eu te amava, enquanto você estava lá.
Eu dizia e você fingia escutar.

Era mais de mim e menos de você.
E eu puxava sua língua.
Traçava um pensamento lógico para você despertar.
Ensinava o beabá do amor. Você fingia saber ler.

Um dia despertei sem as suas palavras.
Elas foram diminuindo na passagem do tempo.
Eu não entendia que era um sinal.
Pensava ser displicência de um coração enfermo.

Então entrevi o oposto.
Era menos de mim e mais de você.
Era o combustível para manter o que estava morto
Enquanto eu morria sem perceber.

Desfiz esta lógica perversa.
Dei-me as palavras que até então esperava de você.
Soaram desafinadas aos meus ouvidos
Tinha acostumado não as ter.

Então me amei pela primeira vez.
Agora sim,
Tinha mais de mim e menos de você.

Obra de arte de Lene Kilde
Foto Instagram @lene.kilde