O
ser
tanista
no trem
levava os teréns
que podia levar:
uma rede, um facão,
e uma pá que ajudava
a fazer alguma trincheira
ue fosse cava.Feliz sobre os trilhos,
o trem deslizava, e a fumaça dançava
nos versos ligeiros sentindoo cheiro
de poesia no ar.
Bem longe estava
de qualquer estação
quando a lenha acabou
e o trem parou porque
a caldeira não tinha pressão.
Ribeiro desceu sem sol, nem luar.
Deixou logo o trilho e pegou uma senda.
Sem luz e sem brilho, sem nada enxergar,
sobre os olhos, a venda da noite escura,
temendo abrolhos escolhe o lugar:
É aqui! Vou cavar uma fossa.
Preciso de abrigo até a aurora a chegar.
Sem temer o perigo de bicho selvagem,
o bom sertanista, com muita coragem,
bem tarde da noite, pôde descansar.
E, assim, na trincheira, por ele cavada,
a noite inteira ficou a pensar.
Então veio o sol, a incidir sobre os olhos,
e da cova aquecida o fez levantar.
O dia amanhece no topo da serra,
o trem parece querer galopar,
mas aquele filho, de tão longe vindo,
não pode escutar senão o clangor,
naquela manhã do triste acauã,
solitário a cantar. No alto dos montes
mais claros que via a semana inteira
o trem desafia o tempo e o espaço,
quão rápido se sente a cada dormente
que vê passar, apita e fumega mandando
avisar:é ponto final, a última estação.
O maquinista então, se dá conta
que o mineiro bem antes desceu
e por outro caminho, andando sozinho,
Ribeiro está.Na sombra da mata,
sem sol poder ver,não podia saber,
nem onde estava. Então resolveu
subir entre as fendas que dão no
outeiro e longe ele viu tenazes
guerreiros nativos da terra,
bem no pé da serra, a tribo
Aroazes.Seu corpo cansado
de tanto andar, de sede aflito,
encontra alento nas águas
barrentas do rio Bonito.
E, quando recobrou o vigor
e as forças ,viu no espelho das águas
a sombra de moça curtida de sol,
olhos amendoados, seios rosados
como polpa da romã e deles saia,
ao sopro do vento o cheiro atraente
de uma maçã. Ribeiro tinha enorme
desejo de tê-la e procurou ensejo
de se aproximar da copa altaneira
do jequitibá, pois lá em cima
nos mais altos galhos
a audaz cunhatã escondida está.
Logo, resolveu inventar uma língua
que pudesse levar alguma mensagem
àquela selvagem de mente pequena,
mais linda e ingênua que a bela Alencar.
- Jequiriti, jequitá! — gritou Ribeiro,
e tomado de espanto viu cunhatã descer
do mais alto galho do jequitibá.
Porque, o pajé lhe dizia, desde pequena:
“ És Jequitá, palmeira frondosa, trepada no galho,
quisera o espírito bom te mandar
um deus de bem longe, teu nome chamar.”
E, pelo aceno, Ribeiro sabia,
Jequitá queria instrumento de branco
para o chão cavar.A índia, bem ligeiro,
num salto felino,tomou de Ribeiro
o facão e a pá, passou a cortar
a rala caatinga,e o chão escavar.
Com a força do braço, maior que
da mente, pôde encontrar a cuiapitinga
enterrada no tronco do jequitibá.
Cunhatã sobre si derramou a poção
que pelo corpo a escorrer,
o xixi do pajé fazia nascer a deusa-mulher.
Assim que seu corpo nu se viu embebido
a índia voraz, com um passo ligeiro
atrelou-se a Ribeiro em insaciável libido,
e, num abraço incontido entregou-se todinha
ao deus que ela tinha tanto tempo esperado.
Passado o tempo, de gozo medonho,
em sono profundo, desmaiados, caíram.
Sem vacilar, o grande cacique
de guerreiros cercado, em sua rede deitado,
chama o pajé e manda evocar
sobre marido e mulher
o espírito do deus Tijupá.
Feita a pajelança, em silêncio ficaram
esperando a voz da selva falar.
Veio a cotovia, banhada de lua
Sacodindo as penas anunciar:
O tempo será de nove luas
para curumim chegar.
No centro da taba no meio
do terreiro subia o cheiro
da lenha que ardia.
Ao lado do fogo, de amor
encharcado,nos braços da amada,
Ribeiro dormia. As virgens pequenas,
ainda meninas,sobre os amantes,
de amor saciado,lançavam flores
e riam. Enquanto dançavam,
tenazes guerreiros por carne,
sedentos,na tarde sombria
de um dia cinzento, o ritual
das vésperas, faziam.
No outro dia a tantos de março,
Ribeiro intrigado ficou,
porque parecia ouvir carimbamba
cantar: “Amanhã eu vou... Amanhã eu vou”
Sem demora veio a noite,
Cuiarana e toda tribo bebia
aluá de milho e fumava diamba.
A carimbamba calou-se;
Ribeiro aproveitou a alucinação
da tribo para da morte iminente,
escapar. O dia anoitece no topo
da serra; o filho de outra terra
já pressentia sobre sua cabeça,
sentença de morte Mas, no terreiro,
frondosa palmeira o vento torcia,
e por ela, Ribeiro subiu.
Ali, sem demora, cortou
uma palha, e como uma gralha,
voou e sumiu. Meninos, não minto!
Eu canto o que sinto.
Meninos, eu vi
o corpo nu
e por inteiro
de Jequiriti
trepada
no Jequitibá.
Meninos, eu vi
Ribeiro por lá.
***
Poema inscrito para publicação na antologia “Café com versos 2, em junho de 2019 pela editora Delicatta.