O MORTO APAIXONADO
Não fazer amor suscita a impressão do estar morto,
mas ninguém quer a morte.
O suicida mesmo busca um orgasmo,
na língua da injúria, consorte mortal,
pensa penetrar a carne
da consumação ardente
para sair ileso do ato fatal,
como se estivesse vivo,
em um dia seguinte qualquer.
Não fazer amor com seu amor desmorona o homem.
Ele está morto.
(O morto procura uma mulher pública,
mas ela nada valerá,
mesmos com suas graças de ofício:
- Lindo é teu pedestal!
- Entre e ame, amado!)
(A mulher pública não reinventa amor,
não retira a morte do finado repelido.
O morto segue liquidado,
pois não fazer amor com seu amor
suscita uma coisa de morto:
o que está arrasado no peito,
o algo estrábico, desfeito, o torto.
E o morto nem desconfia de si, perecido).
O morto quer dizer à causa do seu arraso:
- Eu quis te dar prazer,
quis você de pernas abertas, somente nua,
para uma paz somente minha,
intensa e crua.
DO LIVRO: ADVERSOS E OUTROS MOMENTOS