O MORTO APAIXONADO

Não fazer amor suscita a impressão do estar morto,

mas ninguém quer a morte.

O suicida mesmo busca um orgasmo,

na língua da injúria, consorte mortal,

pensa penetrar a carne

da consumação ardente

para sair ileso do ato fatal,

como se estivesse vivo,

em um dia seguinte qualquer.

Não fazer amor com seu amor desmorona o homem.

Ele está morto.

(O morto procura uma mulher pública,

mas ela nada valerá,

mesmos com suas graças de ofício:

- Lindo é teu pedestal!

- Entre e ame, amado!)

(A mulher pública não reinventa amor,

não retira a morte do finado repelido.

O morto segue liquidado,

pois não fazer amor com seu amor

suscita uma coisa de morto:

o que está arrasado no peito,

o algo estrábico, desfeito, o torto.

E o morto nem desconfia de si, perecido).

O morto quer dizer à causa do seu arraso:

- Eu quis te dar prazer,

quis você de pernas abertas, somente nua,

para uma paz somente minha,

intensa e crua.

DO LIVRO: ADVERSOS E OUTROS MOMENTOS

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 01/03/2019
Reeditado em 12/10/2019
Código do texto: T6586833
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