Nosso Gênesis de duas almas
Após uma madrugada que rodopiava e jazia o vento dançar ao meu redor,
Cantarolando mentalmente o hino do canário ao som do roedor,
Colocando a chave de casa no portão verde musgo a todo vapor,
Tombei na cama com corpo e coração em imenso calor.
Madrugada que esfria e passa por todo minuto cruel, lentamente,
Um esboço feliz de um futuro promissor de uma escolha com ardor de um passado com dor, sorridente,
Depois de tanta briga, tanta discussão, tanto ódio, reclamação, Deus bateu nas minhas costas e disse, tente!
Uma sensação tão límpida que eu sentia o lábio com o tato e língua dente a dente.
Desconstruindo todo fio vermelho que enrolava meus membros até sufocar,
Desconstruindo todo o fedor que minha alma ei de exalar,
Desconstruindo o quebra-cabeça confuso que eu era com apenas um beijar,
Desconstruindo o senso comum que o amor nunca iria chegar.
Tinha sempre uma vaga especial para a Morte e suas visitas noturnas,
Batendo na insônia com o barulho de suas ternuras,
Conheci uma bela donzela que supriu todas as minhas colunas,
Me fez querer viver e não somente um sobreviver abaixo de dunas,
Fez-me desfrutar o que era ser o mar e não somente tuas brumas,
Pela primeira vez tive medo da morte e seus avisos que vos costumas.
Decidiu-lhe a ponto do destino nos encontrarmos em casa por um dia qualquer,
Botei o meu melhor sorriso no rosto e esperei-a ao vier,
Invitei para entrar e desfrutar da minha casa como convier,
As cortinas se fechavam e eu tive que a acolher.
A mulher séria de tom adulto me mostrava em posição fetal,
A mulher ríspida e grossa mostrava um amor fraternal,
A mulher independente do mundo, olhada num abismo profundo, rugia em abraço materno,
A mulher que queria tanto ser amigo da liberdade, encontrava-se presa em dependente eterno,
Independente de circunstâncias queria e estendia de mãos abertas,
Procurando palavras para expressar ações dos verdadeiros poetas,
Abrindo-se como um livro em meus braços de tuas confusões encobertas,
Enrolando em própria coberta,
Nada mais que certa,
Certa de incerta,
Que tem certeza que estava pronta para tirar aquele vestido,
Tendo dito,
Sem suplico,
Desnudou-se em bico,
Me mostrando o escondido,
Sofrido,
Sorriso.
Acompanhei teus olhos baixando,
Esperando que eu dissesse algo do que eu via,
Dizia para ir lhe tocando,
Com certeza de minha ironia,
Riria.
Ora percebendo em gesto que o tato era permitido,
Passei as mãos com os dedos comprimidos,
Perguntava se havia algum comprimido,
Mas tudo é cicatriz de um crime cometido,
Foi um crime com atenuante,
Artigo 65 do código penal III, c. Vítima de violenta emoção constante,
Para uma pessoa tão amável era tão frustante,
Apaixonar por alguém que não estava ao seu lado nenhum instante,
Esteve e não esteve, o quanto o destino cabesse,
Menina troféu era o pensamento desse,
Quem desperdiçar tal potencial não merecia que nem vivesse.
Eram cicatrizes que desciam das costas a lombar,
Tudo prateado em pele branca-rosada ao luar,
"Peço perdão pelo que houve, mas devo continuar?"
"Se eu não tenho vestido a roupa, eu pedi para parar?"
Lá estava o toque requintado,
De um coice bem dado,
Mas era bem amado,
Então deixei de lado.
Descia os dedos em todas as cicatrizes ligando cada ponto,
Não tinha uma linha que a unha não ia pondo,
Era tudo iluminadamente lindo,
E nenhum momento me peguei rindo.
Nesse crime havia de ter suas agravantes,
Artigo 61, do código penal,
Por sinal,
II, a, d, e,
Pois é,
Tornava tudo mais repugnante.
Motivo fútil,
Um motivo nada útil,
Por pura falta de importância,
Para uma flor que necessita de atenção em constância,
Emprego de veneno,
Foi pior que esperar no sereno,
Fingindo estar bem e nada vendo,
Contra qualquer familiar,
Pois estavam lá pra apoiar,
Estavam lá pra amar,
Porque, o que que há?
Estava indignado,
Estava intrigado,
Como tudo aquilo tinha cicatrizado,
Porque pele tão amável fosse com esse machucado,
Eternizado,
Mas é passado.
A mão foi a teu seio,
Mas sem nenhum anseio,
Só queria conexão do peito meu,
Ao peito seu,
E doeu,
Nenhuma hora ele bateu,
Cadê o coração teu?
Tudo acalorava naquela noite que nunca se ia,
Ainda bem que não partia,
Nem a donzela e nem a lua mia,
Quem diria?
Passei a mão na barriga chapada,
Mas o estômago não aquietava,
Estava com fome de palavra,
Com fome da pessoa amada.
A única coisa que não apagou naquele brilho tentador,
Era o olhar firme e de ardor,
Espantava qualquer sombra de temor,
Dentro daquela boneca ainda havia muito amor,
Para dar,
Para tocar,
Para alimentar,
Para amar.
Fui atrás de tais cabelos cacheados,
Que não me mantinham encarcerados,
Minha mão fluía e nossos lábios molhados,
Era a conversa da alma transmitida pelos tatos,
E nós nos sentíamos amados.
Os olhos vidrados,
Os dedos encaixados,
Os corpos colados,
Os pescoços suados,
Os ombros mordiscados,
Apagando todos os nossos pecados.
Tudo que repunha aquela mulher era movida a motivação e braço,
Todo centímetro retirado foi reposto por aço,
Foi num único amasso,
Num único abraço,
Que a pele deu clamor,
O coração deu calor,
O cérebro deu valor,
A alma deu amor.
Nas pernas tinham marcas de correntes,
Pernas que não andavam livremente,
E finalmente,
Conseguia andar como dançarina ao sol nascente,
Não precisava de preocupar novamente,
E novamente,
Amou contente.
Os dedos tinham carne remanescente,
De rasgos da sua própria mente,
Procurando deixar feliz a todo amigo e parente,
Mas parecia que seus esforços não eram suficiente,
Sempre me dizia tente, mas não há quem aguente,
Era o momento que nos dois deveríamos estar igual água fluente,
Indo,
Vindo,
Vividamente lindo!
Toda a sola do pé marcada em bolhas de coagulação,
Presa nos teus próprios passos de confusão,
Era o calo mais chato de toda a solidão,
Mas não pisava mais sozinha não,
Até então,
Vi uma casca virar fruta,
Vi um passado tomar forma pura,
Ela atura, mas não dura,
Mais dura que a realidade,
Disse que está amando de verdade,
Imagina a minha felicidade!
Conheci de fio a sola da alma,
Abracei o mar de confusão com a tempestade calma,
Conheci a com toda a palma,
O amor queimou igual fogo em palha,
Porque nunca teve espaço para canalha,
E nas cartas do romance, ela que embaralha,
E estava tudo virado,
Todo embaralhado.
Desfrutando de uma emoção mais nova,
Já preparando a minha favorita cova,
Cova que vou ser enterrado quando matar saudades,
Capotei o Corsa nas curvas dessa beldade,
Tem cara de nova mas é da minha idade,
Mas aos olhos do tempo é bondade,
Pois num universo infinito aprendemos amar de infinita intensidade,
Não há de colocar preço na tua mais cara prosperidade.
Mulher virtuosa, eu a achei,
Mais preciosa que qualquer tesouro em ouro eu sei,
Teu amor é minha lei,
Eis me aqui farei,
Todo teu sofrimento e incerteza cair por terra, irei,
Disse que não namoraria e eu neguei,
Amo dizer que "te avisei".
Deus (se) nos aproxima atando nossos nós,
Independente de qualquer somos vós,
Vindo de um destino atroz,
Estavam homem e mulher nus, mas nunca envergonhariamos de nós,
E precisavamos apagar imediatamente das marcas do passado com a quentura dos lençóis!
A poesia agora acaba por que precisamos de um tempo a sós.