O Feiticeiro e o Astronauta
A fumaça e a música alta foram o berço do primeiro desejo
Teu suor, o vicioso feromônio que anestesiou meus músculos
Meu corpo, lar de tuas mãos famintas
Logo um laço vermelho se estendeu de meus dedos, trazendo tua pele à minha
Nossas línguas logo se tornaram uma única chama do mesmo incêndio
Teus olhos não mediram esforços para me arrastar até seu problemático universo
Enquanto que meus braços só faziam te sugar para dentro do buraco negro
Os planetas dançaram à nossa volta no ritmo da doce melodia sem som
Quis mais e mais, e eu compactuei em matar sua vontade
Nos eternos poucos minutos que se sucederam
Colhi as flores que cresciam em meu peito
E fiz pra ti uma coroa de pétalas, consagrando teu reinado em minha carne
A fumaça se esvaiu, e a música emudeceu
O carnaval chegou ao fim, e nosso fogaréu tornou-se pai das cinzas de quarta
Bateste no peito, e fez-se lembrar que era homem
E que nunca viajara à Marte, apenas os frutos de Vênus despertavam sua fome
Pôs a culpa nas garrafas, nas latas, nos cigarros
E despedaçou a coroa de flores
Vestiu sua fantasia para ser invisível às correntes pesadas da intolerância
E não quis aplaudir à dança dos planetas
Quando Vênus parou de produzir o suco de seus frutos
Lembrou que, em Marte, minhas lágrimas, cheias de magia, banhavam o gigante deserto vermelho
Veio procurar o que era teu, reconquistar seu reino
E procurar um abrigo quente depois de desbravar todo o espaço frio
Reuniu todos os meus pedaços separados quando me abraçou
O mármore do inferno pareceu gelo em meio à nossa ardência
Despiu-se da armadura, e atravessou-me com a espada
A música voltou a tocar
No fim do espetáculo, afastou-se dando pequenos passos, e me fez dar um grande salto para longe
Caí no abismo sem gravidade, meu grito mudo ecoou pelas crateras da lua
Caí para longe Marte, Terra, Júpiter e Saturno
Apenas o brilho morto das estrelas me vestiu quando te vi indo embora em seu foguete
À caminho de Vênus, partiu
E tudo que me restou foi negritude e frio
A morte do samba que inundou o que um dia fora festejo
Já não mais cresceram flores em meu peito
É questão de tempo até que orbite para mim de volta
Pois sei que o poder que meu feitiço tem
Vênus jamais terá
Ou nenhuma galáxia que ouse cruzar
Mas o feiticeiro de Marte um dia fará as pazes com a solidão
E poderá viver sem ouvir a calorosa música
Ditará o ritmo da dança de sua Casa Vermelha
E não deixará o astronauta respirar mais nem uma grama de seu oxigênio.