AFLIÇÕES DO CORPO

A primavera já se despediu de há muito

surge a surpresa das tardias entregas

o desejo espera o gozo sem asperezas

não é somente ele que fala

a linguagem úmida assoma o corpo

outra madrugada de pomos e maçãs

é tardio este sentir que obriga a jogar fora

a camisa prenhe de suor e ânsias

escorre o orvalho de sons, ouvidos e poros.

Sempre há a expectativa de que o amor venha:

tardia rosa de esperanças empalma espinhos

curte a sua incontrolável diáspora.

Pode-se conservar a emoção das esperas?

E o sono boceja de todo enlevo

artérias e cálice – vinho noviço

o menino acha que não morreu

o amor de amar na solidão propícia

é um autômato saído de dentro do poço

sua armadura em pele e osso pinta o rosto.

A intuição inspira o reverso

e costura o estar vivo ou morto

a esperança de ser ouvido – levado a sério.

Não há como traduzir a doçura

se não pela flor que nasce

cigarra no meio da noite, pedindo vaza

registro dos tormentos e o dia seguinte

sobrevém o estado de graça

sopro de melancolias e ausências

– o eleito para o amar absorve tudo

e a Poesia come sem culpa o rabo do capeta.

Quase sempre o amor é um sino mudo

bota a boca no mundo pede passagem

talvez venha pra minimizar o medo

nenhuma vez o amor foi tão opressor

nunca sabe o condenado qual é o horizonte

sopra-lhe ao nariz e aos ouvidos o silêncio

faz-se cair da cama pra declarar a urgência.

A mensagem aporta telepática hermafrodita

agora talvez possa dormir livre dos notívagos suores

que ainda empapam a fronte e o pudor entre coxas

corre ao adormecer um rio de nádegas suor e sumos

que durmas bem-falante desconhecida e desconexa

o impudico induz ao não-dizer (e a sensação é boa)

e se afasta a caneta – a incorrigível e avara delatora.

Aquele que ama mesmo que não saiba

tem na garganta muda as vozes da ventania.

E fica decretada a libertação sempre pura

das vontades desejos e riscos do querer.

– Do livro inédito POESIA DE ALCOVA, 2014/18.

https://www.recantodasletras.com.br/poesiasdeamor/6380848