Ausência
I
No fim de tudo,
Trata-se da eterna repetição das coisas idas.
Porventura o tempo soube um dia de algo que nunca lhe pertenceu?
O ruir do ego,
O palpitar,
A palavra dita, por trás da promessa de jamais dizer.
Tão mundo isolado em si próprio,
Patético e irrecuperável,
Remoendo o mais e o menos, inclusive o mesmo...
E digo a mim:
Não escreverei,
Não escreverei,
Não deixarei marca, pois as marcas são para os que vivem realmente.
Quantas vezes tropeçarei nas mesmas pedras?
Quantas vezes ficarei de mão erguida, os dedos vagos e inseguros, em busca de um pulso, uma manga de camisa?
Quantas vezes perderei minha palavra num trem, num riso vão, num silêncio...?
II
Anoitece.
Não há mais luz que me aqueça as costas,
Abraço casto, luz etérea,
Não para mim.
Anoitecer, coisa ida, memória.
Deixo-o partir, na incapacidade de retê-lo.
Procuro o tempo, ameaço-o emudecida,
Tempo que te fez calar,
Tempo que te desgastou,
Que te tomou de mim apesar de não tê-lo,
Tempo, tempo...
O amanhecer talvez venha, talvez.
Há mais certeza nas perdas que nas esperanças.
E espero,
Ah, se espero,
Um dia esquecer a sombra dos teus cílios,
A curva do teu rosto,
Fisionomia do meu desvario;
E ao transformar-te em brumas no pensamento,
Cair de cara, dor e corpo na eterna repetição
Do medíocre cotidiano
De um viver ausente de ti.