Sem Carinho...


Cinco e quinze de uma fria madrugada
Meu corpo aquece o felpudo cobertor
Sonhando em um dia ser amada
Manhosa estiquei o braço até o despertador
Deslizei da cama e dispensei até o café
Tenho responsabilidades de mulher
Me misturei ao rebanho
E imediatamente notei algo estranho
A rês que pariu no dia anterior
Por complicações na madrudada morreu por amor
Deixando ao seu pé um frágil bezerrinho
Indefeso e sem perspectiva de carinho
Entregue ali a própia sorte
Porque viver sem amor é quase a morte
Todos o viam como um problema
Berrava como se tivesse a fome de uma vida inteira
Até que surgiu em sua frente...
Uma romântica morena
Segurando uma suculenta mamadeira
Ajoelhei-me no chão
Saciei sua fome
Enquanto ele saciava minha solidão
Pelas frestas das tábuas do curral
Quem olhasse poderia até ver um Umbral
Mas eu transformei em amor
Quando me levantei
E me deparei com os olhos daquele senhor
Segurando uma caneca vazia na mão
Todos os sentimentos transbordaram do meu coração
Peguei com mãos trêmulas e sem nada dizer
Sentei no banquinho e a caneca começei a encher
Meu Deus me livre do pecado!
Pensei enquanto ordenhava o gado
Levei a caneca a boca em estremecimento
Para em seguida entregá-la a ele com tanto carinho
Moça de outros tempos
A espuma do leite sobre meus lábios
Formou um bigodinho
Levei a mão para limpar
Mas ele me impediu
Minha cabeça começou a girar
Quando a mão dele os meus longos cabelos invadiu
Tímida demais para deleitar
Apenas fechei meus negros olhos
Para a espuminha do leite aquele senhor experimentar
Dizem que um sexagenário já não é mais um rapaz
Ainda bem que nem todas as moças são iguais
Porque se anos trazem algum sofrimento
Eu trago o amor...
Que será sempre o melhor unguento
No fundo...bem lá no fundo
Sou como aquele bezerrinho
Só uma morena sem carinho...







                                                  
Raquel Cinderela as Avessas
Enviado por Raquel Cinderela as Avessas em 21/04/2018
Código do texto: T6315185
Classificação de conteúdo: seguro