DA JANELA
Eu vi quando no bonde ele passou
A mala preta, o terno puramento italiano,
A gravata borboleta marcando o branco de sua camisa social
O chapeu borsalino cinza inclinado levemente a cubrir seus olhos.
Desceu na estação e com passos curtos e firmes
Seguiu em direção a única praça do minúsculo centro.
Olhou para um lado, sorriu para alguém
Cumprimentou uma senhora, afagou uma criança
E logo em seguida continuou até chegar a pensão.
Eu vi na manhã seguinte quando adentrou a cafeteria
Percebi que gostava de café preto em chícara de porcelana
Não era muito de pão ou doces naquela hora do dia
Contentava-se com o cheiro do café e a leitura do jornal
Era alto, bonito e muito elegante.
Eu vi no dia seguinte ele passar defronte minha casa
Me acenou, sorriu e me desejou um bom dia.
O rubor encobriu a pele de meu rosto
De vergonha fechei a janela.
Eu vi, por muito tempo, cada passo que ele dava
A hora do café, a hora do almoço e a hora de voltar para casa
Da janela eu via tudo que o norteava
Já sabia tudo da vida do ilustre cavalheiro
Era escritor poeta e romântico, Muito romântico
Eu vi ele colocar por baixo de minha porta
todos os dias belos poemas de amor
Calidecida deixava ele sair para então abrir a janela
E poder observá-lo de longe até adentrar o jornal local
E lá dentro redigir os textos de sua coluna.
Eu vi de minha janela cada passo que ele dava
Escutava cada batida de seu coração
E sentia cada pulsar de sua artéria
O perfume que usava era o bálsamo que eu precisava
Para alimentar minha paixão
Eu vi minha janela fechar toda vez que ele tentava se aproximar
Da minha janela eu vi o inverno chegar e o tempo passar
Da minha janela eu vi o bonde parar e ele entrar
Eu vi quando ele partiu para nunca mais voltar
Eu vi meu coração se despedaçar
Da minha janela só não vi
Que a vida passa muito rápido para ficar somente olhando.