MEIGUICE DE OUTONO & MAIS
MEIGUICE DE OUTONO & MAIS
WILLIAM LAGOS -- 2-6/12/2017
MEIGUICE DE OUTONO i A iv -- 2/12/2017
ENGODO I A IV -- 3/12/2017
MEMÓRIA DOS ASTROS -- 4/12/2017
MANHA DO VENTO I A III -- 5/12/2017
CHUVA VERDE I A III -- 6/12/2017
MEIGUICE DE OUTONO I -- 2/12/2017
Ela tentou, de forma bem furtiva,
aproximar-se de mim, em beijo lento,
mas não pensei pudesse em tal momento
adotar qualquer postura decisiva.
Era um capricho, julguei, Aquela diva
só poderia trazer-me sofrimento:
um instante de prazer sem julgamento
bastante longo na memória viva.
Destarte, eu evitei, fiz-me de tonto,
fingi não perceber o que queria,
foi sugestão somente feita a giz,,,
Causei a mim e a ela desaponto?
Quem sabe quanto mais resultaria
desta ameaça de beijo que não quis?
MEIGUICE DE OUTONO II
Não foram beijos em ardor de primavera,
quando plantas e animais se reproduzem,
pólen lançado ao léu sem que se escusem,
beijos sem rumo, deiscência de uma antera.
Nem foram beijos do cio de besta-fera
que ao consumar direto nos conduzem,
que da razão e sentimento abusem,
sem o mínimo possível de uma espera.
Já que tais beijos são apenas transitórios,
só destinados nossa raça a perpetuar,
em feromônios apenas a encadear,
de um verdadeiro amor grãos ilusórios,
mas tão robustos nessa virulência
que poucos podem se evadir de tal tendência.
MEIGUICE DE OUTONO III
Não foram beijos tampouco de verão,
quando o mundo se afunda no calor
e o sangue ferve em rota de esplendor
na senda antiga da final consumação.
Não foram beijos de ardente cremação,
nos quais um corpo num alheio ardor
se incinera num ideal louco de amor,
nessa espantosa lua-de-mel sem graduação.
Porque tais beijos são mais fortes cravos,
um corpo noutro em crucificação,
braços abertos que se fecharão,
dedos nos ombros, unhas em agravos,
em totalmente maculada concepção,
de todo o mel nos derradeiros favos...
MEIGUICE DE OUTONO IV
Foram beijos de sabores outonais,
já perdidos os do auge do verão,
da primavera esgotados os que são,
os longos beijos de angústias sazonais.
Quando partiram as esperanças imortais
e se procura. no final, consolação,
algo que adoce o já amargo coração
em permanências já quase imateriais.
Quando ardor não se busca, mas meiguice,
quando desejo não se quer, porém confiança,
quando a chegada do inverno se pressente,
quando se almeja garantia e não pieguice,
nesse ósculo uma certeza de aliança
e o morno ardor que a solidão torna presente.
ENGODO I -- 3 DEZ 2017
Mais de uma vez, seu beijo foi promessa,
entre as grades trabalhadas do portão,
por entre as fendas requeimadas do galpão,
permeio às brumas da cerração espessa.
Queria, às vezes, que a memória esqueça
de minha imperícia ante a aceitação,
de minha incúria a causar desilusão,
mas na alma a lembrança ainda se engessa.
De forma tal que se esquecer não pode,
por mais negada essa lembrança inútil
do que podia ter sido e nunca foi.
Se esforça a alma, mas por mais que engode,
volta o fantasma em túnica inconsútil
e crava a agulha que em meu peito dói.
ENGODO II
Toda promessa é dúvida, por certo,
só é certeza o que se tem na mão
e mesmo isso se perde em ocasião,
se não se encerra bem o peito aberto
mais do que o punho. Só se mantém perto
o que se guarda bem no coração;
do amor as dúvidas bem perenes são,
toda a certeza do futuro em desconcerto.
Beijos são beijos e não deixam marca;
se assim deixassem, mordidas se fariam,
que um beijo dá-se, mas arranca uma mordida...
Pouca certeza contudo um beijo abarca
de que um prêmio maior nos brindaria
desses lábios vermelhos de ferida.
ENGODO III
Porém melhor é termos falsos beijos,
os mil beijos de certeza inconsistente,
do que beijos de desdém indiferente
ou de tais beijos jamais termos ensejos.
Mesmo beijos de carinho feito adejos
deixam na boca da alma o seu latente
sabor esquivo que a emoção esquente,
rememorados em fantásticos cortejos.
Algum poeta até teria preferido
que fossem beijos tão só imaginados,
que assim pudessem ser idealizados;
sobre o papel cada beijo perseguido
na multidão das frases apressadas
que se derramam como lágrimas geladas.
ENGODO IV
Porem mil beijos de separação,
adrede dados, mas nunca doravante,
são outras puas de sanha delirante,
qual chamariz de vento e de ilusão.
Os beijos tidos tal qual condenação,
como um rosário de saliva estuante,
ptialina ressecada de inconstante,
beijos antigos sem mais ter conexão.
Beijos de ópera mais que de opereta,
geralmente conduzindo a amargo fim,
em que o sabor anteriormente pervasivo
já ressecou, reminiscência tão secreta
que não se lembra sequer se foi assim
ou só memória de algum sonho esquivo.
MEMÓRIA DOS ASTROS I -- 4 dez 17
A luz da Lua se quebra contra as trevas
e mil cacos de luz entram nas gretas;
cortam em mim e minhas paixões secretas
revelam para o mundo em longas levas.
A luz do Sol é lava contra as grevas
que protegem minhas pernas das completas
centelhas das malícias. São diletas
gotas de ouro pingadas pelos devas.
Não sei se são da Lua as acendalhas
ou do Sol os filetes que mais valem,
mas o dia se derrete em tais caudais
e a luz da Lua se enrola em maravalhas
nesse argênteo fazer que as cores calem,
enquanto a noite se enregela em mil cristais.
MEMORIA DOS ASTROS II
É quando a Lua desce e me enovela
nesses ramos de prata das gavinhas
que as flores se corolam de rainhas,
adormecidas na murchez que as vela.
Sonham as flores, recolhidas em gavelas,
sonham os caules em flácidas bainhas,
sonham os galhos em suas tortas linhas
e até as raízes imaginam serem belas,
que o luar penetra pelo saibro e a greda,
cada radícula pensando em liberdade,
à luz saltando para a individualidade
e o plasma germinativo em pauta leda
escreve a música da mais nova expansão:
dá ao verde-prata o verde-vivo da invasão.
MEMÓRIA DOS ASTROS III
E quando desce o Sol em clorofila
o ouro dorme em célula esverdeada;
engrossa o caule a luz depositada,
em seu cerne e lignita firme fila.
Igualmente cresce a lã e aguarda a esquila,
a água brota em vapor desencarnada,
galopa a nuvem. incontida sua tropeada
e a casa-grande se transforma em vila.
Os astros dentro em nós. A carne é erva
e a erva é o Sol que pinga no verão
e o Sol explode na sua aceitação
que a vida inteira sobre a Terra ferva...
Para onde vai a energia que se perde?
Qual outra raça seus mil raios herde?
MEMÓRIA DOS ASTROS IV
A memória da Lua em teu olhar,
a memória dos beijos das estrelas,
cintilam meteoros nas donzelas,
vejo estrela cadente em teu andar.
Os cometas nas melenas a habitar,
cachos de Sol, redomas de procelas,
e nos teus ossos as insensatas selas
das nebulosas muito além do mar.
Em mim também habita a luz solar,
pois igualmente sou filho do capim,
verde meu queijo e todo o leite assim,
verdes os ovos das aves a voar:
na gigantesca prenhez de um ser minúsculo
habita a aurora até vindo meu crepúsculo.
MANHA DO VENTO I -- 5 dez 17
Um dia a tinha presa nos meus braços,
mas por um breve instante os afrouxei
e de um perigo certo não pensei,
tanta certeza tinha de seus traços!
Mas no instante frouxo dos abraços,
chegou um zéfiro manhoso e nem notei.
Tornou-se em brisa e não me aprecatei,
formou-se em vento e rebentou-me os laços.
E ela se foi, em permanente ausência,
voga nas nuvens qual meiga quimera,
braços vazios restaram-me por fim
e ao furacão contemplo em impotência,
enquanto permaneço ainda na espera
que um dia o vento a assopre para mim...
MANHA DO VENTO II
Tornou-se fluida como a luz da aurora,
um sonho adormecido no lamento,
sonho de nuvem no ouro do momento
que a nuvem chumbo reveste como auréola.
O azul do céu no seu gume de espora
corta os limites da nuvem sem alento;
ela está presa entre o plúmbeo sentimento
e o cerúleo enganoso da demora.
Não tem como escapar da nuvem parda
que apenas impulsiona o vendaval,
ela se estende algodoada na lembrança
e quão inútil o meu anseio dela aguarda!
Em vão galopo qual tolo bagual,
pandorga presa no fio de minha esperança!
MANHA DO VENTO III
Porque Éolo a tomou não saberei.
Talvez apenas por achá-la bela,
talvez por qualquer manha mais singela,
porém não tê-la mais é só o que sei.
Do meu anseio não me aliviarei:
o meu remorso nele se revela
por ter o abraço que prendia a ela
afrouxado no descaso que mostrei.
Mas a esperança é como fio de seda,
em sua fragilidade resistente,
uma estátua de poeira no arrebol
e nesse fio minhalma inteira queda,
a nuvem perseguindo, persistente,
na escuridão cinzenta do farol.
CHUVA VERDE I -- 6 DEZ 2017
Que são a flores senão gotas de chuva?
Cada pingo de orvalho condensado,
um pingente de glória colorado,
abertas pétalas em rasgada luva.
A chuva desce, vai-se tornando ruiva,
cada flor branca em rosa aperolado,
cada sépala num verde consternado,
cada estame afiado como goiva.
De onde brota o sangue dessa flor?
Pois rubra sonha ser uma princesa
e é amarela sua linfa, com certeza.
Será que sente, por te ver, amor,
que brilha igual na retina de minhas vistas
enquanto seguem matreiras em tuas pistas?
CHUVA VERDE II
Chupa da terra o sangue dos antigos
que ali murcham dos tempos ancestrais;
não toma a linfa dos defuntos vegetais,
mas o cálcio dos ossos dos jazigos...
Se a linfa ela tomasse, seriam figos,
brancos por dentro em verdes castiçais,
Amareladas seriam as flores tais
e não vermelhas quais feros inimigos.
Porem há flores de um azul perfeito,
quando as gotas de chuva transportaram
a refração da luz no multifário
firmamento atmosférico sujeito
e assim as flores em coro se lançaram
no cerne arcano do acaso perdulário.
CHUVA VERDE III
Destarte as folhas, brácteas e gavinhas
aos poucos mudam sua coloração.
Quais os metais espalhados pelo chão?
Qual polvadeira não mais amesquinhas?
E a chuva se condensa nessas linhas
dos arvoredos em robusta geração;
cada tronco foi de um caule brotação
e cada caule foram gotas pequeninhas.
E quantas vezes teus olhos castanhos,
nas lágrimas de chuvosa melanina
eu imagino como a chuva os cobriria,
por mais azuis as gotas de seus banhos,
marrons seriam em suavidade que fascina,
no pranto verde que meu peito lavaria.
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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