Como começa um amor
Era uma vez um rapaz sem idade,
da moça, jovem também, era a vez,
numa caverna se viram, de tarde,
ambos em busca de ter sensatez.
“Mas que sem noção! Querer logo aqui!”
De nervosismo choraram seus risos...
Sentaram-se em rochas, “Conta-me aí!
A tua história, em versos concisos.”
E a moça, “Está certo, ouve-me atento!”
Pegou a lira e tocou com talento.
«Deves pensar, escutando meu canto,
nunca passei minhas noites de dor.
Mas erras, estranho, horas de pranto
sofri, e por culpa sempre do amor.
Encontrei José por dica de amiga
que me queria a sorrir, e contente;
ele, no encontro, cantou-me cantiga;
desfaleci-me de amor, cegamente.
Fui comparada às espumas do mar,
às flores da terra, às aves do ar.
Tínhamos o casamento marcado
para uma data de junho, no outono;
tínhamos também terreno comprado,
o ouro juntado, meu pai de patrono.
José me dizia, tendo-me dada,
toda semana, no parque do encontro,
“Ó minha santa mulher, que corada!”
E eu lhe dizia: “Por ti, ó meu tonto!”
Vês se é ternura de um homem que ama...
Porém nunca fui a única dama.
Logo no momento casto do altar,
quando me diria ‘sim’ meu amado,
gritou da cadeira a amiga, a chorar,
“Não cases! Tens de ficar ao meu lado!”
Foi-me contado depois, por José,
que aquela cantiga a outra varoa
fora composta, pois sua mulher
é minha amiga, não minha pessoa.
Jamais amei novamente, e nem vou,
naquele altar minha vida acabou.»
A lira de lado, a moça chorou
Três, quatro gotas de pura amargura,
“Busco o bom senso que um dia deixou
esta alma e me fez sofrida loucura.”
De cabeça baixa, logo pediu
a lira emprestada, pois cantaria
um som confessado à moça; sentiu
não fosse agora então nunca seria.
“Nesta caverna me ouve, okay?...
...Depois não me diga Deus não tentei.”
«Não sou José, nem conheço o bandido,
mas serei melhor poeta, e correto,
pois nenhum canto tem outro destino
senão o ouvido da moça por perto.
Meu verso é feito somente a quem é,
e quem é, és tu, figura tristonha.
Hoje não há nada de outra mulher;
Sim, é teu dia, figura que sonha.
Se Deus quiser será esta caverna
nossa escolha de procura mais certa.
És mais que espuma, és a onda completa
que busca, pia, o amor com a areia,
porém, ao chegar, a vê já repleta
de gente vulgar e lixo; está cheia.
Perdida, morres, não podes voltar,
ondas se entregam sem planos de fuga,
tudo o que buscas é alguém para amar
que não te deixes morrer feito espuma.
Onda, prazer, eu me chamo oceano,
Dá-me uma chance, serei mais humano.
És mais que flor, és o fertilizante
na terra, que dá ao planeta os realces;
mas, destratada, a cidade brilhante,
nega-te como se tu a afetasses.
Ferida, somes, não podes crescer,
fertilizantes carecem de amor,
tudo o que buscas é alguém para ter,
que não te faças fugaz feito flor.
Fertilizante, prazer, jardineiro,
dá-me uma chance, serei teu inteiro.
És mais que a ave, és anjo voador,
trazes mensagens divinas de Deus,
contudo, mortos por homens sem cor,
homens do mundo são homens ateus.
Soturna, ofendida, queres partir,
anjos merecem respeito, são graves,
tudo o que buscas é em paz existir,
mas jamais se te vê igual se veem aves.
Anjo, não posso senão te louvar,
mas se permitir, prometo te amar.»
Lira devolvida, a sós, se entreolharam,
“Eu não subirei por outra no altar...”
A moça assustada, em pé se prostraram
“Quem sabe isso possa até funcionar...”
Deram as mãos e saíram, era lua,
talvez sensatez enfim a teriam;
já no fim da rua, amor, meia-lua,
amanhã de novo os dóis se veriam.
Assim uma nova história nascia,
que o Felizes Para Sempre teria.
27/12/2017