ESSA COISA

Mesmo que não queira ver,

essa coisa me aparece.

Sinto-me inseto que foge

de vil aranha que tece

tranquila e contemplativa,

circundando qual algoz.

Meticulosa e nociva,

pondo iscas em anzóis.

Trépido desparamento;

lépida de corpo e alma:

Miúda casa tão simples

em tão complexa calma,

essa coisa me aparece

em quantidade tamanha,

que, se tivesse sonhando,

não veria tal façanha.

É uma coisa de amor

deitado em beira de rio:

Recauchutando o sabor;

retemperando o vazio.

Desabotoando de vez

essa veste amarrotada;

e me expondo ao revés,

à natureza adestrada.

É coisa assim tão coisada,

tão nata desse 'coisismo'

que, mesmo quando empurrada,

dá-se a flutuar no abismo.

E vai coisando onde passa:

o ser, agir e pensar;

caindo: coisa o infinito.

caída: coisa o findar.

Mas sopra vento tão leve,

acende coisa tão luz,

que mesmo coisando breve,

me comove, me conduz.

Vou-me sem pestanejar

ao encontro dessa tez,

entro em fila, sorridente,

aguardando a minha vez.

E saio coisificado;

meu sorriso reluzente

elide significado:

É tangível; é tangente.

Essa coisa toda.

Cassio Calazans
Enviado por Cassio Calazans em 21/08/2017
Código do texto: T6090187
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