A noite que antecedeu a geada

Não vai ser só num cigarro que tudo irá embora,

mas talvez algumas manhãs frias ajudem,

talvez as sardas criadas pelo sol ajudem.

E é isso,

as paredes encaram,

o teclado encara

hesito.

E é então,

que naquela tarde de quarta feira,

uma sala toma cores vivas,

se torna em pura euforia,

e o sol se engrandece num sorriso simples.

Fiz de conta estar esperando outros,

mas o movimento dos cabelos ao ombro fez com que eu parasse e observasse

àquela que me tirou o medo de cair como Ícaro.

Àquela que de tanto absorver o sol

tem mais estrelas no rosto

do que a noite que antecede a geada

Um medo ocupa o lugar de outro,

mas o de agora só me faz querer

entender novas constelações,

criar novos horóscopos,

mergulhar no indefinido

e me guiar

por mar ou por terra

para o céu que reside abaixo dos pares de sol castanhos,

e acima de lábios a produzir canções nas quais...

nas quais...

nas quais qualquer palavra por mim dita

ou escrita

vai se perder

e dissipar

feito fumaça,

mas ainda assim

ocupar meu quarto,

pra que quando eu acordar

possa lembrar daquele sonho

em que seus dedos foram embalados pela poesia,

e a poesia nasceu de traços

na parede branca cercada de livros.