De Pedra

Aqui estou sob o teu olhar.

A nudez deixa-nos indefesos.

Somos agora a pele, o corpo,

o desajeitado dos dedos na ternura.

E toco-te. Sinto o gentil amadurecimento do teu peito

e apuro-me para te ouvir qualquer palavra,

o murmúrio doce do caminhar das vozes

rente à lisura de nós mesmos.

Ainda não me abraças e já voo,

já plano sobre a cidade rebelde,

sobre a ventania que destelha as casas

e acelera a Lua.

Ah, furacão, nuvens de antanho,

ah sede de tão feroz tamanho e nós ainda longe,

vem que pareço espúrio monge,

assim descomposto, sem hábito,

assim homem apoquentado de sugestões bravas

e a chuva e a neve, e o fogo,

tudo nos dá este estar de encanto,

medo de não te saber, de não te beijar na leveza,

na força dos elementos que me eriçam pelos

e me abatem como pássaro magoado.

E ando. Andamos. Andar de passeio estreito,

juntos, mais juntos, fundidos.

E somos monstro de muitas patas, rir convulso,

beijo ardente, o prazer de ser em ti o fruto,

o travo, o sentir, o sabor, o encantamento.

Sabes-me a água pura,

és vinho e corres por mim como fogo

que de um monte nos viesse.

E soa a trovoada e são intensos os gritos,

submersos os gemidos da agonia. Somos nós? É o dia?

Morre, meu amor, comigo à sombra desta paz de pedra.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 23/05/2017
Código do texto: T6007271
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