De Pedra
Aqui estou sob o teu olhar.
A nudez deixa-nos indefesos.
Somos agora a pele, o corpo,
o desajeitado dos dedos na ternura.
E toco-te. Sinto o gentil amadurecimento do teu peito
e apuro-me para te ouvir qualquer palavra,
o murmúrio doce do caminhar das vozes
rente à lisura de nós mesmos.
Ainda não me abraças e já voo,
já plano sobre a cidade rebelde,
sobre a ventania que destelha as casas
e acelera a Lua.
Ah, furacão, nuvens de antanho,
ah sede de tão feroz tamanho e nós ainda longe,
vem que pareço espúrio monge,
assim descomposto, sem hábito,
assim homem apoquentado de sugestões bravas
e a chuva e a neve, e o fogo,
tudo nos dá este estar de encanto,
medo de não te saber, de não te beijar na leveza,
na força dos elementos que me eriçam pelos
e me abatem como pássaro magoado.
E ando. Andamos. Andar de passeio estreito,
juntos, mais juntos, fundidos.
E somos monstro de muitas patas, rir convulso,
beijo ardente, o prazer de ser em ti o fruto,
o travo, o sentir, o sabor, o encantamento.
Sabes-me a água pura,
és vinho e corres por mim como fogo
que de um monte nos viesse.
E soa a trovoada e são intensos os gritos,
submersos os gemidos da agonia. Somos nós? É o dia?
Morre, meu amor, comigo à sombra desta paz de pedra.