Entrega
A receita para entregar-se:
uma bandeja de prata grande e reluzente, e um balde.
A bandeja é o veículo de entrega - o prato. Muitas vezes, o prato acaba sendo mais impressionante que a comida, e este é o caso, mais uma vez, mesmo que essa bandeja já esteja meio torta de todas as vezes que me deitei sobre ela e...me entreguei.
Se tudo der certo, primeiro, se tira tudo: a roupa, primeiramente, e depois aquelas agulhinhas que machucam a gente e os outros de vez em quando; preconceitos, traumas, expectativas, hábitos. Esconde-se tudo num canto, amontoado, geralmente não se sabe se é bom descartar tudo no lixo, às vezes um trauma é útil...
O balde é um consolo para caso o plano não der certo. Caso sua entrega tenha sido inútil, caso sua entrega seja rejeitada pelo corpo do outro, caso sua entrega bata na porta e...ninguém atenda. Consola-se, no balde, vomitada, rejeitada, ao menos em algum lugar próprio para tal. Balde, feito para esconder vergonhas, coisas ainda em processo; nós, ainda nos remendando da última ânsia do outro.
Que coisa é o humano... pode causar no outro tudo: vida, morte, felicidade, estímulo, orgasmo, sorriso, reflexão e..ânsia.
Depois de se refugiar no balde, lugar que nos pertence naquele momento, não se quer mais sair dali. De todas as agulhinhas tiradas, todos os traumas reduzidos a nada no canto do cômodo, essa ânsia recoloca de uma vez tudo de novo, e os medos são multiplicados por quinze. As agulhinhas agora são dedos apontados, de riso alheio e choro seu, de tirar sarro.
O balde se torna útero. Chega uma hora que estamos prontos, e é preciso sair, de novo, e preparar a bandeja...