QUE

É no meu samba descuidado da madrugada, que vem da casa da professora cega, pelo quarteirão de sujeira moderna, que a vida se mostra só de uma ilusão desesperada.

É da clareira que brota no chão de minha cozinha, que vem da casa de Pai, que os negócios me aparecem apenas como troca de egos inflados e machucados.

É da soberania dos palácios reais, que de realidade são desfocados, que meu peito patriótico se pinta de anarquia tola e jovial, sem qualquer indicio de que irei um dia estar contente.

É das criações cêntricas, que me dizem serem boas, que me afundei e desconfortei-me com a esperança em uma moral.

É das palavras, que me remetem erros.

É das coisas, que me vem as mágoas.

Mas, num ínfimo respingo de gente que sou, confesso que minha única faísca de entusiasmo a um bem-querer está resguardada em um único par de olhos.

E o beija-flor clemente me ajuda a entender:

que toda essa pintura renascentista que é teu rosto, é apenas um rosto; que toda essa alma de repentina cor vermelha é apenas uma criação sepultada; que todas curvas delineadas sobre teus peitos são apenas curvas; que tua voz é um leite escorrendo pela estrela mais distante de um sedento eu.

Existe nessa afirmação, um desencontro,

Como pode isso ser apenas uma pessoa?

Quanta colisão, já que nunca quis crer numa suposta revolução de minhas emoções, mas elas estão aqui de quaisquer formas. Porém, com gratidão, me conforto, extraio papas de sangue do céu da boca pra decorar minha suposta solidão ao teu lado.

Sofrer em abismos é uma dádiva, Dos desiludidos, Dos desafinados, Dos finados vivos e de quem tem dó de mar:

Então, neste fim de carta, escrevo:

QUE,

Com alvura, que odeio,

Nego que não mais sou

Um escravo de mim mesmo,

Mas sim de uma outra.

Sou um retalho,

Um pedaço inutilizável,

Finjo que sou alguém,

Assim como finjo te ter.

Já que desencontrei-me,

Descobri os vazios,

E realizei que era sonhos,

Fez-se melhor dizer

Para que me subverta

Com a condição

De tua presença.

Não creio em deus

Nem tanto na natureza

Nem tanto em um nada

Nem tanto em clarezas,

Mas, abraço-te.

Fique bem.