ANTIGOS AMORES

Se um de nós morresse

após a única relação;

se a morte

chegasse no fim do soneto

em sua homenagem;

se naquela viagem ao inverno europeu,

a nevasca grudasse nossas mãos geladas,

antes do derradeiro suspiro

que receberia o além hollywoodiano

de olhares imperecíveis;

se a morte evitasse

a nossa eternidade de mesmo conjugado:

quanta beleza não salvaríamos?

Teus cabelos escorreriam

pelo meu sofrimento,

permaneceria em lembranças

teu antigo vestido amarelo

e o aspirador da faxina semanal

jamais sugaria o pó dos meus desejos,

pois todo o teu corpo coruscaria.

A rotina amorosa é uma praga.

A conta bancária,

o saldo conjunto,

os pratos na pia

usurpam o olhar amoroso,

quando o cílio postiço

antecede a paralisia do primeiro gozo.

Eu não sabia disto, amor.

Felizes são as mulheres,

diante da incineração real dos maridos.

Feliz são os homens,

diante do grande valor

da mulher escassa.

DO LIVRO: ADVERSOS E OUTROS MOMENTOS

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 06/03/2017
Reeditado em 03/08/2020
Código do texto: T5932031
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