ANTIGOS AMORES
Se um de nós morresse
após a única relação;
se a morte
chegasse no fim do soneto
em sua homenagem;
se naquela viagem ao inverno europeu,
a nevasca grudasse nossas mãos geladas,
antes do derradeiro suspiro
que receberia o além hollywoodiano
de olhares imperecíveis;
se a morte evitasse
a nossa eternidade de mesmo conjugado:
quanta beleza não salvaríamos?
Teus cabelos escorreriam
pelo meu sofrimento,
permaneceria em lembranças
teu antigo vestido amarelo
e o aspirador da faxina semanal
jamais sugaria o pó dos meus desejos,
pois todo o teu corpo coruscaria.
A rotina amorosa é uma praga.
A conta bancária,
o saldo conjunto,
os pratos na pia
usurpam o olhar amoroso,
quando o cílio postiço
antecede a paralisia do primeiro gozo.
Eu não sabia disto, amor.
Felizes são as mulheres,
diante da incineração real dos maridos.
Feliz são os homens,
diante do grande valor
da mulher escassa.
DO LIVRO: ADVERSOS E OUTROS MOMENTOS