A "CASQUINHA" DA MINHA FERIDA

Já era primavera e naquele jardim eu tentava compreender,

O porquê essa ferida do inverno ainda sagrava sem cicatrizar,

Estava sentado sobre a grama, escondido entre as flores, sem saber se você me via,

Eu imaginava como seria um “oi, tudo bem?” vindo de você,

Mas eu resistia à sua beleza, como quem admirava somente o florescer,

Às vezes os dentes não formam uma boa prisão para as palavras,

E o que haveria de tão errado iniciar uma conversa?

A tarde caia acelerada e eu pintava o verde da grama com este sangue,

E entre o manto de verde e as pinceladas de vermelho um diálogo começou,

Um ferido e um fechado, as flores me diziam que essas notas não formariam nova canção,

Foi quando desencanado comecei a confessar que guardava medos em gavetas no meu quarto,

Fui incentivado a jogar o medo fora, parecia um padre conduzindo uma alma para luz,

De repente senti que parou de sangrar, suas palavras eram a “casquinha” da minha ferida,

E uma porta fechada parecia se abrir lentamente, como se uma brisa a empurrasse, talvez eu ventasse.

Sábado, o sétimo dia, aquele que na história Deus descansou,

Foi no sábado que o jogo tomou formas, e as cartas foram uma a uma revelada,

Alguém não sangrava mais e um cadeado já enferrujado fora destrancado,

Choveu, a grama era somente verde, as flores eram sorrisos,

Os sonhos voltaram a ser sonhos, os medos somente um frio na barriga,

O raiar do sol e o nascer da lua andavam de mão dadas com o mesmo pensamento,

E o oceano parecia fazer lembrar que além do horizonte o bramido do mar pode cantar o amar.

Leonardo Guimarães Rosa
Enviado por Leonardo Guimarães Rosa em 24/01/2017
Código do texto: T5891853
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