Um auto-retrato
Eu sei que trago em mim todas as mulheres que possas
imaginar. Hibernadas. E que bastará um toque mágico
de um olhar. E a viração soprar.
E o sol brilhar.
Sei
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que me desdobro em aurora boreal. Do rosa ao cinza,
da púrpura ao lilás. Nas infinitas refracções
da luz,
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será que estou viva?
Porque cedi os espaços? Porque não fiz
as partilhas do
pomar?
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Quem sabe se não guardei um canteiro, ainda
que sumido, na sombra?
Sem sol, a humidade apodrece-nos
as raízes. Assaltadas de roedores.
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Vejo a máquina de calcular, esquecida, sobre
a mesa.
Onde estou.
Nem isso eu sou.
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© Myriam Jubilot de Carvalho
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Nota:
Tenho aproveitado este tempo livre da minha Reforma para dar ordem aos meus papéis acumulados nos anos vertiginosos da minha vida profissional. Com isso, já organizei várias recolhas de Poesia, com diferentes títulos. E surpreendeu-me a quantidade de contos de que já nem me lembrava.
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Assim, ando agora a preparar uma recolha de poesia satírica para a minha próxima publicação.
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Esta manhã aconteceu, ao sentar-me à secretária, pôr os olhos sobre o meu livro 'E No Fim Era a Poesia' (ed. Vega, Lisboa, 2007), e abri ao acaso. Surgiu este poema, que figura na página 47. Na época, eu não punha títulos nos poemas.
Mas poderia ser este...
'Auto-retrato'
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