ORQUÍDEAS E ARRECIFES

O que querem dizer os poetas se falam tanto de tanta coisa?

Os poetas vivem nas palavras e fazem delas lugares novos...

Poetas comparam os seus amores à flores

a monstros e dores comparam suas perdas.

Poetas vêm beleza onde não há e podem ver

o amor brotar mesmo na sequidão,

no abandono

na 'partida' que é o oposto de 'chegada'

na demolição da casa antiga

nos planos de um arquiteto...

Em geral,

os poetas comparam tudo à tudo

para dizer o que toda gente fala sem rodeio

que o amor é lindo, 'eu amo você'.

É certo que os poetas são fechados

para o mundo que vai além deles?

Se for mesmo assim, a saída que encontram

para o crustáceo que se tornaram

o autismo onde vivem, no longe pela janela,

é expressar inventando sentir o que vêm.

Poetas são homens e mulheres comparadores.

A saída que encontram é revelar para descobrir,

para possuir, comparar, comparar para sentir...

Poetas são homens e mulheres enamorados da palavra,

dizem coisas bobas quando não conseguem

dizer como toda gente “eu amo você”.

Poetas são como as orquídeas e os arrecifes.

Orquídea é planta exemplar espalhada no mundo

existe de todo tamanho, de toda cor...

Tem orquídea do tamanho da lua,

tem menor que sua unha.

Orquídeas reunidas em estufa são poemas comuns

a mais bonita se abre colorida no alto da montanha

ou

no retorcido de uma árvore no cerrado

ou

na restinga

ou

nas rifainas

ou

no paredão ingrime

ou

debaixo de um cipreste singelo

porque é no mundo esquecido que o amor floresce.

´

O amor se abre no silêncio para os olhos de quem passa

como a boca que só quer dizer “eu amo você”.

Orquídea-pensamento existe mas é rara,

para encontrar uma eu logro fazer poesia.

Mas veja o inusitado, nos Pirineus floresce

a pudica orquídea pensamento-meu.

Sempre distante convidando desabrocha

no capricho de ocultar-se de mim sorrindo.

A beleza nas cores das orquídeas, o silêncio dos corais nos arrecifes

a beleza assalta o espírito, vibra o corpo na alegria.

A estampa de um sorriso é a prova de um encontro feliz.

Bloco de concreto, pedaço de nuvem

onde está a minha casa?

Meu jardim é o vasto espaço vazio.

Ali outra orquídea decora o poema alheio de mim

acomoda meus sentidos, pétalas flertam carne

orquídea-arrecife, poema boca língua colorida.

As orquídeas da Tailândia são as mais exóticas

e o são porque tudo que é exótico vem do Oriente.

Orquídea perfumada existe na soleira da minha porta

um poema bate e canta e se abre.

Minha casa está à beira do Ocidente

nela deixei entrar seu perfume porque eu amo você.

Qualquer orquídea sabe guardar em si dúvidas macias

já os arrecifes,

acúmulos de calcário vistos na praia, não.

Os arrecifes abraçam as ondas com uma certeza bruta,

a certeza cega da pedra submersa no tempo da solidão.

Na verdade,

tudo que sei sobre poetas e poesia

é um amontoado de bobagens.

Nunca ouvi

uma palavra sequer de qualquer orquídea.

Tudo que sei

são flores que colhi no silêncio da pedra de sal

submersa nos corais dos arrecifes que invento.

Sei apenas

que a saída que encontro para o crustáceo que me tornei

é reinventar o tempo da solidão.

Baltazar

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 11/06/2016
Reeditado em 19/02/2018
Código do texto: T5664014
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