CADÊNCIA

Ontem teus olhos eram morfina à minha dor, hoje descobri que esta dor foi dada de graça a mim pelo teu ego. Tua língua no encaixe dos meus lábios famintos fazia com que descesse no lugar da saliva amarga, tua risada desengonçada. Teu grito em meus ouvidos ensurdeciam-me a procura de dissolver minh'alma ao orco do meu abismo. Tua raiva era minha ama de leite em noites derradeiras de minha protetora a se proteger no relento dos braços da boemia. Teus pés no passado poderiam ser o caminho dos filhos,que seriam paridos pelo meu ventre calado no presente, como a inércia de um vulcão. Tua face transparente refletia minha segunda pessoa, que insistia em me seguir desde o nascimento prematuro, essa sombra que me copiava a todo segundo perante os sete pecados capitais a me fitarem em meu nudismo. O teu amor ontem de dia me amava entre as ancas e de noite se tornava a mentira real da humanidade, você falava horas e eu calada escutava, mas não obedecia, porque sou mulher, onde o tesão começa de cima para baixo não vice-versa. Tua covardia brincava com minha coragem, porém lhe colocava no berço que enrolava tuas pernas com as fraldas de tua infância. Onde está hoje o gigolô a me pagar pelas feridas expostas nos meus pés a segurar o poste da esquina obscura com as minhas lágrimas, fugiu com o homem que brincava de ser grande ao meu lado quando se descobriu criança fugiu da mulher que sou, ou que fizeram-me ser.

Fany Caruso
Enviado por Fany Caruso em 12/04/2016
Código do texto: T5602838
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