SOMENTE SE EU PUDESSE
Se eu pudesse desencantar um pouco mais o encanto, desentristecer um pouco mais a tristeza, desfazer o tormento que jamais me desatormenta, eu dormiria em paz.
Se eu pudesse despudorar o pudor, desfazer aquilo que nunca foi feito, desmistificar tudo o que foi místico, eu caminharia em paz.
Se eu pudesse abraçar um abraço desabraçado, beijar um beijo desbeijado, entrelaçar laços desenlaçados, como se houvesse apenas um nunca mais, eu cairia em paz.
Se eu pudesse desestruturar a estrutura, descriar a criatura, desfigurar o resto da figura, desequilibrar qualquer equilíbrio, desassombrar a minha sombra, eu não olharia para trás.
Se eu pudesse desviver a ordem controversa da morte, desconsertando algum conserto, desconsiderando o que foi considerado, desenfatizando por quem foi enfatizado, desarmonizando o que por alguém foi harmonizado, eu viveria em paz.