FEITOR ENSANDECIDO
Meu amor descama, desnatura, desmama,
como fardo sem cabresto nunca se cala
e, quando dorme, declama meus medos,
todos eles.
Meu amor é insano, é pontiagudo, é meretriz em fim de carreira,
deixa a cor oca, o certo esquecido,
faz o meu coração mais íngreme, mais azedo.
Do meu amor tenho muitas farpas, muitos tombos,
muitas beldades ainda por nascer.
Não daquele amor ainda meio atônito,
como vômito dando meia volta,
como passo teimando em rasgar cada amarra.
Tenho saudade daquele amor obeso,
meio esquecido, meio requentado,
mas vivo, como foi vivo, meu Deus.
Lembro dele esguio, se fartando de gozos,
com jeito de feitor ensandecido,
vindo para mim e não me reconhecendo mais.
Lembro dele tomado por câimbras,
sedendo por escassos votos de fé,
talvez votos de perdão.
se trincando aos meus pés e eu sorrindo
me esbaldando de sorrir.
Lembro dele dissecado numa maca fétida,
cada quinhão do seu cheiro indo embora pelo boeiro
e eu, como tal, não estava nem aí,
nem você estava nem aí, lembra?
Como tudo nessa cabaça fugaz, eu morri.
Meu corpo perdia a cor, o calor, a alma, a senzala de sempre.
Vi meu corpo se esgueirando pelas sardas
da mulher amada, e ela não me viu.
Todo aquele amor que um dia bateu no peito,
afoito por tecos de paixão encardida,
mas mesmo assim minha, só minha, toda minha.
Então fiz minhas malas, que cabiam na palma
da mão, e piquei a mula.
Que as remelas que sobraram sejam as guardiãs
implacáveis da minha dor, do meu réquiem.
Que os ventos ásperos deste deboche em forma
de afago me façam voltar um dia a amar de novo.
O que? Não me pergunte.
Porque nunca saberei.
Nem tampouco você.
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