FÍMBRIAS & MAIS

FÍMBRIAS E MAIS

William Lagos, 31 jan/9 fev 2016

FÍMBRIAS I – 31 JAN 2016

Águas profundas são mais silenciosas;

as águas rasas fazem mais estardalhaço,

têm ojeriza a singular compasso, (*)

giram e rolam, sempre pretensiosas;

(*) Nojo.

e com todas essas fúrias cor de rosas,

terminam verdes do limo em seu abraço,

em cada pedra e remanso perdem traço

e se rebelam nas borbulhas mais furiosas.

Já as águas fundas flutuam mansamente,

mas não se veem interrompidas no caminho,

veloz que este seja, ou quiçá, devagarinho,

e até a foz longo rio se faz presente

ou então lago calmamente nos cintila

e nossa imagem inclinada nele oscila...

FÍMBRIAS II

Assim nos brinda a beleza passageira,

com o mesmo estardalhaço e igual fulgor,

busca de todos arrancar igual louvor

em sua vaidade lepidóptera e fagueira;

mas como a borboleta a fímbria abeira

de apenas um verão, tal esplendor

logo se esvai, perde todo o seu vigor,

toda a beleza dissipa-se, certeira...

Outra beleza faz da fímbria o substrato.

dessa mulher que não se esforça em seduzir

senão a um só, com quem possa conviver

e nos traços de seu crânio há um recato:

mostra a beleza só aos poucos a fulgir,

e os anos passam, sua beleza a enriquecer,

FIMBRIAS III

É tão comum que se faça a confusão

entre o frescor e a graça juvenil

e a verdadeira beleza senhoril

que abre caminho através de geração:

essa orgulhosa da conquista em profusão

vê-se no espelho, julgando o vidro vil,

usa cosméticos, maquiagem tão senil:

era só jovem e seus anos lá se vão!

Enquanto a outra, que tão simples parecia

só junta marcas com personalidade

e os ossos de seu rosto se destacam,

mostrando a real beleza que jazia

por sob a fímbria de anterior mediocridade,

discretas luzes que aos poucos se dilatam...

FÍMBRIAS IV

Longa tragédia o transitório feminino!

Em tantos óleos antigos corpos nus

nos rostos sua paixão vibra e reluz...

Onde se encontram, passado seu destino?

Feliz daquela que a mais de um pequenino

alimentou em seu seio à meia-luz,

à raça dando a vida que produz,

antes que o sonho se desfaça em desatino...

Se acham modelos aos milhares sob as lousas,

restando apenas vago sonho de um pintor,

que a beleza lhes guardou e fez melhor!...

Mulheres fímbrias de perdidas rosas,

coxas antigas ressequidas para o amor,

das que souberam ser um dia tão formosas!

QUANDO FOI VERÃO I – 01 FEV 16

Cada fantasma que me senta ao colo

as unhas crava até meu coração,

por minhas artérias introduz sua mão,

tal e qual planador, breve seu voo solo;

assim eu pago, sem ter crime ou dolo,

na mágoa lenta de sutil paixão,

pele fantástica a cingir-me em sedução,

e nem sequer o meu esterno esfolo...

há mil amores no sonhar espásticos,

nem totalmente reais, nem fantasia:

o sonho nasce em mim e ilusão cria

e então se perde feito ideais bombásticos,

porém seguro entre os dedos o ar vibrante

e dele teço minha quimera delirante!...

QUANDO FOI VERÃO II

De cada ano algum pouco foi verão,

da primavera fulge o vento em brotação,

rancor do outono reclamando sua saída

perante o inverno em brasa fria de ilusão;

a cada ano que passa vai-se a vida,

mas se conserva lembrada e colorida,

mais se recorda a calidez que a sudação,

a lua pomba de branca despedida;

de quanto foi verão no teu passado

guardas segredos que não podes revelar

nem a ti mesma, pois tudo é transformado

e nem o triste amor se faz sagrado,

calor difuso tão somente a conservar

em todo o gelo ao desdém já conformado.

QUANDO FOI VERÃO III

Sinto-me ingrato, já que nunca realmente

amei qualquer verão que me foi dado,

nem pelo frio me sinto acabrunhado

quando reclamos escuto de outra gente...

Porém, contigo, foi decerto diferente,

teus carnavais fantasiando teu passado,

nudez nas praias a tornar corpo bronzeado,

mesmo na sombra a sugar radiação quente.

Assim me atrevo a comentar de um meu verão

que só me trouxe algum prazer indiferente,

embora os teus ainda recordes com saudade,

enquanto guardo no cadinho da emoção

ramos fundidos de um estio onipresente

em cada verso que bronzeei de eternidade!

LÁGRIMAS DE FERRO I – 02 FEV 16

Até que ponto a pintura prende a alma

dessas mulheres já de há tanto mortas?

Se tua alma vive e em pigmentos a confortas,

talvez se unja de óleo em manhã calma...

Será assim? Se o conteúdo dalma

desses corpos que têm nas telas portas,

sugam-te a alma e a vida lhes transportas

e o cavalete foi a cruz que trazes nalma?

Foram as cerdas e as cores das paletas

que lhes fixaram os traços, conseguindo

algum desejo despertar sobre a retina,

ao desvendares tuas partes mais secretas,

sonho de mel em outro peito produzindo,

ante arrecifes de luz de tua vagina?

LÁGRIMAS DE FERRO II

Hoje encontramos não só fotografia,

mas os reflexos do luar opalescente

sobre as carnes de cada ser vivente,

sendo filmados por celular que os via...

Na verdade, cada foto um mundo cria:

não é o homem, nem a mulher ardente

que se gravou ali perpetuamente:

é o cintilar do Sol que ali fulgia!...

Ou o reluzir da lâmpada fluorescente

ou apenas flash, que era dantes tão comum,

ou luz mais cálida de abajur irreverente...

Mas tão somente é a luz que se gravou,

mesmo que a carne nos mostre um lume algum

que nunca aos olhos da Lua se mostrou...

LÁGRIMAS DE FERRO III

São lágrimas de ferro ou outro metal

que então se expandem à cata de um momento;

existe qualquer alma em tal portento:

sentiam antigos justo medo natural...

Que algo roubassem, num fulgor fatal,

farpas de ferro rasgando como vento,

ferruginosas lágrimas de alento,

morto o modelo no instantâneo consensual...

Porém minhalma escorre nas palavras,

também lágrimas de ferro incandescente:

não sobra alma que possa ser filmada...

Piscar dos olhos gravados nestas lavras

e então evito que me tomem mais frequente

quanto sobrou de minhalma retalhada!...

LÁGRIMAS DE ESPONJA I – 03 FEV 16

“Depois” é jovem e julga ter bom tempo

para o amanhã, a realizar seus planos

e assim adia, por motivos quase insanos,

os seus desejos, lançados ao destempo...

Depois não dá valor ao contratempo:

Hodie mihi cras tibi, falavam os Romanos; (*)

tempo infinito, quais areais dos Africanos,

sempre aguardando adiante mais retempo...

(*) Tradução livre: Hoje é meu dia, amanhã será o teu.

Mas passa o temo, sem ter misericórdia:

primeiro um ano, a seguir logo são dois:

vai devorando o salgadinho e o alfenim...

E no Mais Tarde envolve-se em discórdia,

são mil batalhas... já maduro, esse Depois

para o velho Nunca Mais perde no fim...

LÁGRIMAS DE ESPONJA II

O Nunca Mais nos parece bem comprido,

mas quando chega, de repente se percebe

como o sangue da alma come e bebe:

é bem mais curto do que fora concebido...

Nunca Mais é tal qual um salmo lido,

de que as antigas mensagens se recebe;

a mente aos poucos com tais dons se embebe

e se revolve contra a prece do incontido...

Passam os dias enquanto escorrem salmodias,

passam os anos e ali escorrem desenganos,

passam as juras que nos deixam só o Jamais...

Lágrimas quentes que se fazem frias,

enganos simples que não chegam a ser planos

e alegremente nos saúda o Nunca Mais!

LÁGRIMAS DE ESPONJA III

O Nunca Mais suga aos poucos o futuro,

que o passado já sugou – locupletou-se

de tanto tempo final que já nos foi-se,

igual que a foice cortando o capim duro.

O Nunca Mais é esponja que, no escuro,

da linfa de teu peito abeberou-se...

Julgas ser água do banho que secou-se

ou até suor... mas é teu sangue puro!...

E como lágrima, essa esponja do Jamais,

desce calada, roubando nosso amor:

não há Depois para onde o Nunca vai...

Pobres escravos, cada um do Nunca Mais,

pela doçura do Depois perdendo o ardor,

nessa esperança de um porvir que já se esvai...

LÁGRIMAS DE VIDRO VERDE I – 04 FEV 16

Nesse adiamento já destemperado,

correm as damas de honra do Já Feito,

correm os homens em busca do perfeito,

escorregando cada um no seu passado,

nesse antanho em suas vidas já entremeado,

o Já Esquecido tomado por defeito,

o Lá adiante tomado por direito,

na lentidão desse correr desesperado...

Mas cada rosa que no solo já murchou

serviu de adubo para outra geração,

pelo menos das rosetas que ali estão...

E cada ato que o Anteontem homologou

para o Depois de Amanhã retece a lã

em que o vazio é entrelaçado no Amanhã...

LÁGRIMAS DE VIDRO VERDE II

Mas por que de “vidro verde” chamo o pranto?

este é amarelo, embora um tanto esmaecido,

traz tons de bege, de âmbar algo parecido,

branco sedoso, qual saliva em canto...

Por que de vidro verde chamo o manto,

em suas nuances de vidro perolado?

Algo de gelo, um tanto ou quanto requentado,

tal qual ramelas nas faces de algum santo...

Então “milagre!” não faltaria quem dissesse:

chorou o Santo perante os teus pecados,

as suas lágrimas condensadas como pó!...

Na reza antiga em que o perdão nos desce,

intercessão de confessores empedrados,

para que seu adorador não fique só!...

LÁGRIMAS DE VIDRO VERDE III

Será que existe mesmo esse tesouro

da superabundante rogação

que os pobres santos nos repartirão,

de amor piedoso cada um imorredouro?

Só na esperança se assenta o logradouro

em que se guarda sua lacrimação,

os sofrimentos que essa graça nos darão:

preciosa a morte como lágrimas de ouro...

E se são lágrimas de gentil espera,

devem ser verdes, tal qual novo capim:

nasce da terra a esperança do porvir...

E cada flor que emurchece então nos gera

a descendência de um novo sonho, alfim,

sem tantas penas que o forcem a sentir...

LÁGRIMAS DE VERÃO I – 5 FEV 16

Quando o sol sobre a pele mais esquenta

e a derme sobe como vaga em procissão,

pequenas ondas a mostrar calcinação

que para cada capetinha o surfe alenta,

quando o calor em tirania nos tenta,

o sangue ferve e se vira em sudação,

porejam gotas sobre a pele em criação

de uma galáxia transitória que se assenta

quando as gotículas de estrelas se reúnem,

sem atração, mas por capilaridade

e logo escorrem a buscar a gravidade,

em filetes de pranto que se assumem

como chuvas de verão densas e cruas,

a própria sombra escorrendo pelas ruas!

LÁGRIMAS DE VERÃO II

Correm as gotas como lágrimas demais,

todo o organismo em enlanguescimento,

sem energia para o próprio pensamento,

que pela testa escorre... assim no mais!...

Como evitar mil adiamentos naturais,

de qual resolução um descontento?

O remo escorre das mãos nesse momento,

perde-se o leme e se encalha em pantanais!

Contudo, os dentes cerras e levantas

para enfrentar a umidade e a atmosfera;

enquanto choras, tens passos para a ação

e teu brado de guerra ao mundo cantas,

rasgando o ar para a vida que te espera

no estremunhado estertor desse verão!...

LÁGRIMAS DE VERÃO III

Por outro lado, na vida é tão frequente

que nos imponham tantos adiamentos!

Quando buscamos da justiça assentimentos,

mil formulário e carimbo impõem à gente!

E mesmo que se insista, o rosto ardente,

sempre depõem sobre nós seus contratempos

e vem juízes a nos punir atrevimentos

pelos protestos, até o mais impotente!

O tempo passa, mas sempre fica na garganta

o gosto amargo dos mastigados meses

sempre envolvidos em emaranhos oficiais...

E quando faz-se as contas, como espanta

nossa lembrança fugaz de quantas vezes

verões roubaram, sem nos darem nunca mais!

BEIJA-FLORES I – 06 FEV 16

Deve o amor físico abranger o corpo inteiro

sem concentrar-se nos órgãos genitais:

a carne venerai se a conquistais,

mostrai respeito sempre puro e derradeiro.

Que amado seja cada aspecto brejeiro

e as mil arestas com que vos desgastais,

cada defeito qual diamante de cristais:

teus beijos sejam o ourives lapideiro!

Que toda carne a que ameis seja sagrada,

que a contempleis com olhos de bonança,

que a raça inteira contém nas profundezas!

Que seja a pele inteira assim amada,

em cada poro um fulcro de esperança,

cujo pendor vos afaste as incertezas...

BEIJA-FLORES II

Destarte o beijo não se limite à boca,

mas percorra gentilmente cada traço;

que cada ósculo preceda o teu abraço,

cada suspiro a conduzir a mão que toca!

Beija nos olhos a vastidão que emboca

a longa trilha da galáxia – brando laço;

beija nos joelhos a perna que dá o passo,

beija os ouvidos em que audição se enfoca!

Beija nos braços a força de seu zelo,

beija no umbigo a materna ligação,

beija nos pés a estrada do futuro;

beija o que pensas ser feio como belo,

beija nos seios o pulsar do coração,

que o corpo humano, inda que velho, é puro!

BEIJA-FLORES III

Beija esse corpo qual flores de um jardim,

mesmo impossível que te seja o adejar;

a cada dia renova o acariciar

com o teu lábio, que o faz macio assim.

Porém não ajas qual passarinho, enfim,

que suga o néctar em seu parasitar,

mesmo que roube sementes a espalhar,

não tem qualquer interesse no jardim.

Que em cada beijo teu néctar se espalhe:

salgada a carne, que doce seja o beijo;

amarga a dor, que gentil seja o prazer;

e que o consolo para a dor não falhe:

para a carícia teu corpo seja o ensejo,

por quantos anos perdurar o conviver!

MÚSICA DO TEMPO I – 07 FEV 16

A Saudade nunca tem um nome só:

é acompanhada por quem a provocou

ou de um lugar que para trás ficou

em cada brilho perolado desse pó.

Canta a saudade a música de dó

pelo momento perdido que passou,

desse rosto que a lembrança nos causou

nessa garganta hoje apertada por um nó.

Que saudade não é tão só um sentimento:

é uma lembrança viva e bem tangível

de algum instante de prazer imperecível

durante o qual nos iludimos por momento

que esperança fosse mais que sonho vão,

verde tingido no rubror do coração!...

MÚSICA DO TEMPO II

A saudade é mais longa que a memória:

trazes saudade na ponta de teus dedos

que do mundo te apontaram os segredos

e a sensação casual de uma vitória...

A saudade é muito mais que transitória:

trazes nos olhos os mil luares ledos,

do ser amado mil cabelos em enredos,

tudo tingido por ternura merencória...

Saudade trazes no fundo da cocleia, (*)

em que se enrolam os muitos sons que ouviste,

tanto sonar de alegria e rufo triste,

(*) Núcleo nervoso da audição.

monotonia travestida de epopeia

do som perdido no vastíssimo reclamo

de quem um dia murmurou: “Te amo!”

MÚSICA DO TEMPO III

Saudade tens na língua do sabor

desses doces que comeste na tua infância,

de cada cheiro mesclado nessa estância:

sem o olfato, como é pobre o seu valor!

Trazes nas faces a saudade do vapor

do lábio próximo bafejando com instância,

desse murmúrio de amor, meio que ânsia

em algum momento mais intenso de calor!

Um perfume que se foi jamais esqueces

e então recordas a solitária melodia:

numa centelha espelha-se a paisagem;

saudade, um fragmento de mil preces,

suflar do tempo na mais breve sinfonia,

que acorda a mente e se esvai como miragem!

MORMAÇO 1 – 8 FEV 16

Aos poucos, recupero meus atrasos,

Que a moléstia e a modorra provocaram;

Flores e frutas no mesmo charco embarram,

Flores e frutas nestes mesmos vasos.

Aos poucos, repartidos são os casos

Que na escrita automática se alçaram;

O sentido só eu sei, quando disparam,

Bem à minha frente, perante os olhos rasos.

Mas não de lágrimas, que se acham embaçados

E estranhos para o mundo, no indistinto

Fulgor da íris... estrela desgarrada!

Como sol de nevoeiro... constipados

Nesses milhares de pontos que ainda pinto

No interior de minha pálpebra fechada!

MORMAÇO 2

De fato, estes verões me comprometem

Para o trabalho qualquer disposição,

Pensando apenas não ter mais obrigação:

Passado o tempo em que trabalhos me acometem.

Passado o tempo dos descansos que me afetem,

Direito tendo a qualquer compensação:

Escutar música recostado no colchão,

Enquanto leio os mil livros que me inquietem.

Por outra parte, forçoso é confessar

Que minha saúde ainda está em gestação:

São sete meses desde a crise mais aguda.

E assim, aos poucos, meu tempo vou passar,

Cheio de versos – almácego em brotação

Que, assim o creio, a renovação ajuda...

MORMAÇO 3

Pilhas enxergo, porém não desanimo

Das borrachinhas que prendem-me rascunhos,

Das muitas células perdidas de meus punhos,

Que à mole carne da mão serviu de arrimo.

Basta apenas digitar, não mais os rimo,

Cesura e ritmo forjaram já seus cunhos,

A métrica não combato em estremunhos:

Em murcha musa jaz o sonho desse mimo.

Enquanto o corpo já recobra sua energia,

Na minha idade, algo quase milagroso

E até da força muscular vejo o renovo,

Amolecida no percalço desta via,

Semimaldita, que exorcizei com gozo,

Tal qual destino que novamente louvo.

AMOR ARISTOTÉLICO I – 9 FEV 16

Minhas horas transbordaram do Domingo,

Assediando as velhas feiras das Segundas,

Seus ponteiros dedilhando rugas fundas,

Sangue e suor que lentamente pingo...

Essas horas respigadas do Domingo

Retornam para o Sábado, que inundas

De prevenções que nem valem as corcundas,

Depois que as culpas, eletrizante, eu vingo!

Como o Domingo para o Sábado recua,

Para a Segunda o Sábado flutua,

Setenta horas de mistura qual mingau,

Tantas horas peneiradas neste assombro,

Já a semana transformada num escombro

E o mês findado tão somente em dia mau!

AMOR ARISTOTÉLICO II

Fez-se o costume de chamar de Amor Platônico

Esse que busca bem mais o espiritual,

Da compleição final do amor foge, afinal,

Como se fosse não mais que um ser biônico...

Mas esse amor do tempo é catatônico,

Aristotélico e bem físico ao total:

Quer tão somente catalogar em seu bornal

Cada nuance do visual, sabor ou sônico...

Criou Aristóteles, sabes bem, Taxonomia

(Outra palavra para Classificação):

Muitos afirmam que limitou a filosofia

E quando eu passo a discutir o crônico,

Cada dia da semana em relação,

Nada me resta senão soneto afônico!

AMOR ARISTOTÉLICO III

Existe, enfim, essa cronicidade

Que os homens em semanas dividiram?

Às selenitas fases constituíram

Nomes apenas de convencionalidade.

Para os antigos, eram deuses de verdade

Que a cada dia firmemente presidiram...

Nossos avós mui simplesmente permitiram

Gastronômicos eventos na cidade!...

Mas sempre é prática sua arbitrariedade:

Sempre a Terça nos vem antes da Quarta,

Após Domingo, sempre a Segunda é aberta...

Tantas horas agrilhoadas em vaidade:

A Quinta ansiosa que a semana parta,

Para o lazer se debruçando a Sexta esperta!

AMOR ARISTOTÉLICO IV

As contas feitas, donde nos brota o Tempo?

É das galáxias que nos provêm os seus arcanos?

Dos Sete Mares, há séculos de anos?

De um furação que se desfaz ao vento?

De que lugar tal ilusão tomou assento?

Aonde se sabe que partiram desenganos?

O que nos resta das cinzas dos Romanos?

É a mente humana a demarcar o contratempo?

Porque se as coisas se desgastam, é no espaço;

De Aristóteles foi-se o tempo – indiferente,

Se é que existe mais além de teu abraço...

Segunda-feira se esvai, sem mais um traço,

Gasta-se a Terça em igual passo inclemente

Só o Velho Cronos nos esmaga em seu baraço...