O RIO
Entrei em trabalho de parto,
meu filho passou a carcomer-me,
tornou-me barranco com seu poder erosivo,
escalavrou-me, rio espesso que se formava.
Eu era a cheia.
Os fórceps desceram em mim,
ferros sem embarcação,
pinças à deriva em meu corpo,
que me machucaram,
abriram cavernas onde eu mantinha alvéolos,
relicários para peixes sagrados.
Mas quanta coesão senti,
pois gerar um filho é possuir nesse ato,
o começo e o extremo,
estar no leito de novo curso d`água,
perceber sobre o cascalho e o álveo trans-vaginal,
a corredeira da vida.
E meu filho nasceu.
Beijei as suas mãos úmidas
como algo que arrefece.
E seu olhar levou-me à dispersão,
misturou-me dentro de uma foz imensa,
futuro.
Do livro: Borboletas noturnas não existem