O RIO

Entrei em trabalho de parto,

meu filho passou a carcomer-me,

tornou-me barranco com seu poder erosivo,

escalavrou-me, rio espesso que se formava.

Eu era a cheia.

Os fórceps desceram em mim,

ferros sem embarcação,

pinças à deriva em meu corpo,

que me machucaram,

abriram cavernas onde eu mantinha alvéolos,

relicários para peixes sagrados.

Mas quanta coesão senti,

pois gerar um filho é possuir nesse ato,

o começo e o extremo,

estar no leito de novo curso d`água,

perceber sobre o cascalho e o álveo trans-vaginal,

a corredeira da vida.

E meu filho nasceu.

Beijei as suas mãos úmidas

como algo que arrefece.

E seu olhar levou-me à dispersão,

misturou-me dentro de uma foz imensa,

futuro.

Do livro: Borboletas noturnas não existem

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 02/02/2016
Reeditado em 05/05/2018
Código do texto: T5530803
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