Sobre amar demais

Sobre amar demais

Cansei de viver em tanta placidez

Eu quero a queda mais arriscada

Planar sem rumo, pairar, talvez

Eu peça pra voltar, cair sobre nada

Quem sabe eu só quis brincar

Com tua vida ao me tentar

Tentar tirar teu sossego, atormentar

Fazer de meu jogo uma respiração

Um simples ato bizarro para justificar

É que eu não sei de onde vem tanta adoração

Nunca fui de comprar cartar ou calendários

Hoje sou devoto de culto pagão

Sobrevivo a torto e à espreita

Esperando um deslize da paixão

Acreditei que o amor viria de detalhes

Bilhetes, beijos, charme, piscadela

Dela que tanto me fez catar

Dentro de mim um novo lar

Para o que chamei de coração

E foram vigas de concreto para a dor

Piso forrado de pura fascinação

Rodapés, frestas, janelas

Todo detalhe de vermelho-amor

E o teto? De um antigo vidro-ilusão

Para que estilhace minha chegada

Para que anuncie tua partida

Ressoe e ranja nosso divórcio

Arda e rasgue nossas cinzas

Que eu aprendi a cultivar andaimes

Andar nas alturas me fez tonto

Oscilar entre cordas me fez enrolado

Escrever-te poemas me fez ponto

De um final nem tanto desejado

Caí para nunca mais ter fim

Num tal buraco sem idolatria

Sem luxo, mas com heresia

Esperando a volta do ousado querubim

Gabriel Amorim 12/01/16