ESTILHAS DA VIDA & MAIS
ESTILHAS DA VIDA & MAIS
William Lagos, 28 nov / 7 dez 2015
ESTILHAS I – 8 jul 07
Assim é a vida: as coisas se propagam
desavisadamente... e sem aviso:
não se cuidam de ti, no seu esquizo (*)
trajeto, em que se acendem e se apagam
(*) Esquizofrênico, dupla personalidade.
as emoções dos outros ou seus feitos,
pois agem para si, ou, de impensadas,
se lançam nas calçadas, pressuradas,
buscando sempre negar novos direitos...
É assim sempre, quando amor te alveja,
quando nem esperavas tal furor
e muito menos buscavas tal paixão,
mas te penetra e mais e mais se enseja...
E podes ver o tamanho desse amor,
pelo buraco que te abriu no coração.
ESTILHAS II – 28 NOV 2015
Assim é o coração, alvo constante
das emoções que surgem lá de fora
e mesmo quando teu corpo vai-se embora
o coração se faz ileso nesse instante.
É tal qual se a influência perfurante
puxasse o coração sem mais demora
e o retivesse; bem oposto a seu outrora,
o corpo o deixa para trás, distante...
E segue em seus negócios, suas razões,
com um buraco maior dentro do peito
do que de fato fez amor no coração;
mas surpreendido pela ausência de emoções;
então se ergue, bem rápido do leito,
para buscá-lo de volta com paixão!...
ESTILHAS III
Mas mesmo o coração recuperado
e já inserido por entre os dois pulmões
nacos de si perdeu nas ocasiões
em que fora, sem o notar, abandonado.,
pois pelo amor foi em parte devorado,
sujeito, quem dirá? – a humilhações
ou quiçá ao fulgor de exultações:
ingênuo coração sempre alvejado,
que deixou tanto de si junto do amor,
mesmo que tenha tal amor pouco almejado
e não o recorde sem maior frescor,
nessa febre por que fora marchetado,
a palpitar em sua ânsia de calor,
só por ter sido desse amor desamparado...
ESTILHAS IV
E por mais que tenha sido invulnerável,
ao se deixar por amor manipular,
em seu retorno após tais nacos desgarrar,
fica o buraco inicial imponderável;
que assim é a vida, estilha imensurável,
em teu peito, impiedosa, a se cravar,
abrindo amor um nicho em que pousar,
por mais que fora inicialmente indesejável...
Não é por teu amor que se enraíza,
amor te busca por amor de si,
pois mais deseja é em ti frutificar;
e nesse furo não tem lugar a brisa,
porque te encheu amor qual bem-te-vi,
pondo seus ovos logo após seu aninhar!
EPIDIASCÓPIO I – 9 jul 07
Algumas vezes as coisas mais cruciais,
dentre as milhares que nos acontecem,
são justamente aquelas que aparecem
apenas de relance e que, jamais,
de fato ocorrem: possíveis, se esvanecem,
às dezenas de milhões do nunca mais:
as que morreram nas decisões fatais
e que nunca, em sua potência, coalescem...
Todavia, dessas chances, aos milhões,
como saber quais sejam importantes?
Quais, de fato, influenciaram nossa vida?...
E é nesse ponto que devemos decisões
tomar sobre quais são os significantes
detalhes... que nos levam de vencida...
EPIDIASCÓPIO II – 29 NOV 15
O epidiascópio, para quem não mais recorde,
era um aparelho ampliador de imagem:
colocava-se a figura em sua triagem
e numa tela bem maior formava acorde;
algumas vezes desbotado, como um lorde,
que guarda o título, porém não a criadagem,
as propriedades tragadas por voragem,
por jogo, incêndio, maus negócios a que aborde;
mas sempre se ampliava a sua nobreza,
heráldicas figuras nos brasões
ou de paisagens apenas a justeza,
ou textos escolares em paixões,
aos estudantes forçados, com certeza,
para copiar ou decorar, talvez, canções...
EPIDIASCÓPIO III
Era assim que se ampliavam os detalhes,
então impostos aos pobres estudantes,
quase nunca em seu teor interessantes...
(dos professores tais caprichos não espalhes!)
Mas caso sejas um, peço, não ralhes:
este é um poema sem dados retumbantes,
sem pretensões, sejam breves ou constantes;
com tua férula estas linhas não me malhes... (*)
(*) Palmatória.
Alguns, porém, de fato eram cruciais
e poderiam expandir a educação
em outras línguas ou ciências naturais...
Mas seus alunos sem saber, jamais,
reconhecer, aborrecidos na ocasião,
dentre os inúteis, os importantes quais...
EPIDIASCÓPIO IV
E quais foram as melhores influências,
durante os anos de maior impressionância,
distribuídas ao longo de tua infância,
que mais firmes orientaram tuas tendências?
Para alguns poucos, foram dados de sapiências,
para bem mais os esportes ou a confiança
nos próprios pais, ou com certa dissonância,
dos namorados os anseios e as pruriências... (*)
(*) Excitações.
Quais dessas classes aproveitadas foram,
quantas em ti ingressaram sem saberes?
E quantas outras no passado se perderam?
Quais resultados a vida hoje te douram,
a quais deixaste que cumprissem seus deveres
e quais recordam aqueles que isto leram?
UNBEKANNTNISHEITSRELATION I – 12 jul 07
O gato de Schrödinger não é o mesmo (*)
descrito por Lewis Carroll, mas Alice (+)
o via aparecer e, então, a esmo,
ele sumia, sem que mais dele se visse
(*) Erwin Rudolf Josef Alexander, físico austríaco, Viena, 1887-1961.
(+) Pseudônimo do matemático Charles Lutwidge Dodgson, 1832,
Daresbury, 1898 Guildford, Inglaterra.
que seu sorriso, mordaz e galhofeiro.
Sumia por seu gosto e por prazer voltava...
Já o outro, era visto derradeiro
ao se fechar os olhos... Retornava
quando as pálpebras se abriam. Sua existência
dependia de saber-se observado...
E eu queria também poder o mundo
recriar com minhas vistas, mas sua essência
depende desses todos, que a meu lado
juntos contemplam, em desejo mais profundo...
UNBEKANNTNISHEITSRELATION II – 30 NOV 15
Esse Cheshire Cat do escritor (*)
se revelava apenas parcialmente,
só a mostrar seu sorriso para a gente
ou seu rabo listrado – ou seu odor...
(*) O Gato Galhofeiro do País das Maravilhas.
Mas era independente em seu valor,
não mais que se exibia, indiferente,
mostrando seu capricho assaz potente
para a coitada da Alice, em seu temor...
Já de Erwin Schrödinger o animal
escravo era de seu observador:
quando era percebido, ele vivia;
porém, sem atenção, era afinal
tão só uma sombra que em nada persistia:
razão de sobra a provocar maior pavor!...
UNBEKANNTNISHEITSRELATION III
Ora, Remarque criou um personagem (*)
em O Obelisco Negro, que afirmava
tão só existir o quanto observava,
tudo o mais desfazendo-se em miragem;
(*) Erich Maria Remarque, nascido Erich Paul Remark, 1898, Osnabrück,
Alemanha; 1970 Locarno, Suíça, exilado por ser pacifista.
Que do olhar na comissura, como aragem,
cada coisa se escondia e se apagava;
mas quando o rosto bem veloz voltava,
num instante recompunha-se a paisagem,
que não estava ali, se não a olhava,
pois era apenas um vazio que se enxergava
ao desvendá-lo com extrema rapidez!
No igual efeito desse desconhecimento,
criado o mundo tão só por pensamento,
efeito apenas da cerebral prenhez!
UNBEKANNTNISHEITSRELATION IV
Na “relação do desconhecimento”,
essa palavra longuíssima contida,
pela gramática alemã favorecida,
vive a surpresa de solipsístico momento; (*)
(*) Teoria filosófica em que o mundo é criado por um único ser humano.
não é criado por nosso pensamento,
mas se apresenta só quando percebida;
será que existe ou não, quando perdida
de uma visão qualquer o julgamento?
Para Schrödinger o gato estava vivo
e estava morto, ambos a um só tempo:
muitos disseram ser tão só filosofia,
mas era um físico, de pensamento positivo,
um matemático às equações atento,
com as quais comprovava o que dizia!...
UNBEKANNTNISHEITSRELATION V
Já a física quântica, que nos mostra Niels Bohr, (*)
andeja inquieta pelo mesmo pensamento;
foi comprovada por muito sábio atento,
muitos seres a inserir no seu teor...
(*) Niels Henrik David Bohr, físico dinamarquês, 1885-1962, Copenhague.
E é tal e qual se do conhecimento
ou da Bekanntnisheit, em tom maior,
do melhor dependesse ou do pior
grau de atenção do humano entendimento...
E não se pense que nos pretendem confundir
esses cientistas, nossos contemporâneos,
pois observam, mas não conseguem explicar;
são quais fractais a se reproduzir, (*)
para a física antiga os sucedâneos
que nunca antes se puderam observar!
(*) Padrões que se repetem ao serem ampliados.
UNBEKANNTNISHEITSRELATION VI
Em estranheza sobrenada totalmente
essa ciência moderna, mas funciona!
Será que a mente da humanidade é dona
desses fenômenos contemplados atualmente?
Já há milênios, na Índia, certamente,
diziam os saddhus que a vasta lona (*)
do universo na respiração ressona
do santo Brahma em criação potente!...
(*) Santos e ascetas hindus.
Quando Ele expira, o Universo cria,
quando Ele inspira, o traga para Si,
em “continuada criação”, qual Leibniz, (*)
(*) Gottfried Wilhelm Leibniz, filósofo alemão, 1646-1716.
em seus escritos europeus, também dizia.
Será que somos também nós só existentes
perante os olhos de Deus, tão complacentes?
SENHAS I – 15 jul 07
Dizem que os sábios aprendem com os tolos,
mesmo que, eventualmente, tenham nexo
as mais simples notações desse complexo
novelo emaranhado em tantos rolos...
Pois nem vemos por onde começar...
Foi assim com Alexandre... O general
simplesmente saca a espada e, afinal,
pode o Nó Górdio de um golpe estraçalhar...
Isso talvez tenha sido uma sandice,
mas a Ásia conquistou, por força bruta,
e seu império expandiu como jamais...
Talvez eu possa aprender com minha tolice:
dá lições a si próprio quem se escuta:
mas cortar laços são os conselhos mais leais?...
SENHAS II – 1º dez 2015
Nossa mente são nós emaranhados,
mistura de sandice e inteligência,
triste mescla de riqueza e de indigência,
força e fraqueza em cipós entreverados;
os pensamentos mais vivos encontrados
de permeio com os lerdos de impotência
ou com concepções de externa agência:
contradições que nos deixam agoniados!
O mundo inteiro poderíamos conquistar
se conseguíssemos desfazer os nós;
ou só os iremos com espada estraçalhar,
qual Alexandre a seu novelo, desvairado,
bem mais que outros nos tornando sós,
após o vasto golpe desnorteado?
SENHAS III
Na verdade, neste vasto labirinto,
qual de Ariadne, existe um firme fio,
que poderemos acompanhar com brio,
os corredores transpondo do recinto;
que existem senhas, ao menos eu pressinto,
a indicar quais redemoinhos nesse rio
ou seus remansos, seu calor, seu frio
(ou em suas paredes sinais eu mesmo pinto.)
Quando puxo esse cordel aventureiro,
trago de mim atrás não o novelo,
mas as partes de mim retardatárias,
os nós a desfazer, em perdulárias
operações, ao controle do meu zelo,
minha própria alma a desobstruir ligeiro.
SENHAS IV
E a cada vez que em um beco sem saída
me deparei, por vias de tolice,
sempre pude aprender com minha sandice
e refazer os caminhos de minha vida,
não sendo em vão essa marcha assim perdida
se a um acerto o erro inicial depois atice
e me conduza, em instante de ledice
a retomar a senda certa perseguida.
De teu espírito brota tua consciência,
a te indicar qual ganga a descascar
ou como o joio do trigo separar;
tarefa dura talvez, mas com paciência,
sem precisar por isso usar o teu punhal
para o Nó Górdio desfazer de tanto mal...
LÁGRIMAS EM FLOR 1 – 2 DEZ 15
Que seja o canto de meus versos incomum
Ao descrever as raízes de meu pranto:
Que não seja pretensioso de ser santo,
Nem salafrário, tal e qual já fiz algum;
Que não imite o que escreveu nenhum,
Porem que a lágrima eu revista de outro manto
E os versos recomponha em novo canto,
Numa mistura de mel e ardente rum...
Nenhuma rima a ser melhor que “dor”
Para o regato escorreito do jamais,
Quando somos tomados de emoção,
No movimento inverso dessa flor,
Que ao invés de subir como as demais
Aos poucos desce direto ao coração...
LÁGRIMAS EM FLOR 2
Os líquidos, é certo, em maioria,
Por mais que sigam a lei da gravidade,
Se evolam da tribuna da umidade
Pelo sol evaporados em magia;
E enquanto orvalho na folha assim se cria
E ali rebrilha em luminosidade,
No seu breve prazer de mocidade,
Nunca percebe o final dessa harmonia...
Que o suave sol, a refletir da aurora
A cada líquido tão só acaricia,
Mas pouco a pouco redobra o seu ardor
E o rocio que anteriormente doura
É destruído pela luz em que se alia,
Berço invisível para as nuvens de vapor.
LÁGRIMAS EM FLOR 3
Mas a lágrima bem raro se evapora:
Busca na próprio epiderme penetrar
Ou sobre o peito pinga, a se alojar,
Sua própria alma demandando nessa hora;
Quando possível, se esconde, sem demora,
Nos berços das clavículas em par;
Gosto salgado, minúsculo esse mar,
A refletir amplas mágoas de um outrora!
E nessa luta contra a gravidade,
De seu destino de vapor em rejeição,
A lágrima entesoura a sua tristeza,
No agridoce de tal perenidade,
Mortalha e berço para o coração,
Na transitória raiz de sua pureza...
LÁGRIMAS EM FLOR 4
Um dia eu li e claramente registrei
Noutra poesia, como ilustração,
Que cada lágrima sofre mutação,
Consoante sua emoção, estranha lei!
Dessa pesquisa o tema conservei:
Que o sentimento sua composição
Na própria química de sua formação
Interferia – e até mesmo acreditei.
Que seja a lágrima da tristeza amarga,
Que seja doce a lágrima do amor,
Nessa alegria da correspondência,
Nos sentimentos em que a alma se alarga
E faz brilhar a corola dessa flor,
Que pinga aos poucos, suplicando por clemência!
SERPENTINAS I – 3 DEZ 15
SEGUREI EM MINHAS MÃOS A ESPERANÇA:
NUNCA PENSEI QUE PUDESSE SER TÃO LEVE!
BEM MAIS DO QUE VAPOR, SERENA E BREVE,
SOMENTE FORTE NOS TEMPOS DE CRIANÇA.
ESMAECIDO PELA VIDA EM SUA MUDANÇA
ESSE LENTO FLUTUAR QUE A GENTE ATREVE
A JULGAR SER VERDADEIRO COMO A NEVE,
MAS SE DERRETE COM BEM MENOR TARDANÇA!
EU VI ESSA ESPERANÇA QUE FLUTUAVA
E NEM AO MENOS SABIA SE ERA MINHA,
MAS EM GESTO SOBRANCEIRO A SEGUREI,
JÁ SE ESGARÇANDO NO MOMENTO EM QUE A PEGUEI
TAL SEDUTORA, SEMPRE SUTIL RAINHA
A QUEM POR CURTO INSTANTE ME ENTREGUEI.
SERPENTINAS II
ENTÃO A VI ESVOAÇAR PELOS MEUS DEDOS,
A DIVIDIR-SE EM LINHAS PEQUENINAS,
DESENROLANDO COMO SERPENTINAS,
SUPOSTAMENTE VERDE EM SEUS DEGREDOS,
À LUZ DO SOL REVELANDO SEUS SEGREDOS,
NAS MIL CORES DO ARCO-ÍRIS PEREGRINAS,
CARVÃO E LUZ NAS MADRÉPORAS MAIS FINAS,
NO CINZA E FURTACOR DE SEUS ALBEDOS!
NO MESMO INSTANTE EM QUE A PEGAR BUSCAVA
SE DILUÍA, FUGAZ LANÇA-PERFUME,
DEIXANDO A BOCA CHEIA DE CONFETE!
FUGIDIA ESSA ESPERANÇA QUE EU TOMAVA,
NO OUROPEL DAS SUAS CORES SETE,
RASGANDO OS DEDOS EM LAIVO DE AZEDUME!
SERPENTINAS Iii
MAS AFINAL, QUAL DIREITO NELA EU TINHA?
VOAVA LIVRE, BELO PÁSSARO CANORO,
A ILUDIR A TODOS COM TESOURO,
INCONSÚTIL NESSA SEDA QUE CONTINHA.
E AO MESMO TEMPO, SE DE FATO SE AVIZINHA
E SE FAZ NOSSA, SEM MAIOR DESDOURO,
TEIA DE ARANHA EM PRESSUPOSTO COURO:
QUANTA SAUDADE DO PORVIR CONTINHA!
NA SERPENTINA DA ESPERANÇA TODO O AMOR:
QUANDO É LANÇADA PARA O SER AMADO
SÓ NOS RESTA O ROLINHO DESMANCHADO!
MELHOR FAZER UMA GAITINHA, COM ARDOR,
EM ARTESANATO COM SI MESMO SOLIDÁRIO:
TRISTE ENFEITE DE PAPEL DO SOLITÁRIO!...
FERVOR AUSTRAL I – 04 DEZ 15
Quando palavras largadas são ao vento
somente param ao atingir o ouvido
ou se vão na atmosfera, em som perdido,
até se dissiparem num tormento!...
Mas imagine, tão só por passatempo,
que essas palavras, após terem saído,
pelos ares ao redor teriam subido,
feitas matéria, que não seja por momento!
Então seriam para todos perceptíveis,
quais galhardetes, lábaros, cartazes,
flutuando pelo céu em passarada...
Somente aos poucos fazendo-se exauríveis
e como antes, lançadas de carcazes, (*)
pelo solo tombando em chuvarada!...
(*) Depósitos portáteis de setas.
FERVOR AUSTRAL II
Bem raramente, longa faixa é atrelada
a um aeroplano, em lento movimento,
drapeja leve, ao sabor do vento,
em propaganda pelos ares esticada,
e nessa indicação sobrevoada
sobre as cabeças, em temporário alento,
corre a mensagem, quiçá a bom contento,
ou inversamente, até mesmo ignorada...
Mas se a palavra da boca pronunciada
se pudesse ali de fato condensar,
folha de rosa ondulando pelo ar,
quem sabe ainda seria acompanhada
pelo som inicial do balbucio,
ouvidos a atrair em meigo cio...?
FERVOR AUSTRAL III
E aqui estou eu, no sul deste hemisfério,
palavras convertendo em digital,
nessa estranha elocução desnatural,
em indesejado e flébil ministério...
Torna-se a rede assim num cemitério:
tantas partes de mim leva, afinal,
cada poema balbuciado ao sol austral,
pensando algures levar um refrigério
a quem delas precisasse, em solidões...
Melhor seria que no céu flutuassem,
chumbo sem peso, esmaecido de poder
e pela vista abordassem corações
desses tristes que mais delas precisassem
e que seus olhos erguessem para ler!
BEIJA-FLOR 1 – 5 DEZ 15
Somente olhar entrevisto de passagem
A que cumprimentei com cerimônia,
A testa a se curvar com parcimônia,
Desconhecendo, afinal, a minha visagem...
Algum perfume perdido na voragem,
Sempre ao léu distribuído em alimônia, (*)
No mais breve recordar da calcedônia,
Jóia preciosa lançada à criadagem...
(*) Esmola, pensão.
Brevemente me olhaste, em tal fulgor;
Eu não te conheci, nem tu a mim,
Na mais breve cortesia feita ali...
Qual a razão de meu nutrir aquele ardor
Se este encontro acidulado de carmim
Fui tudo quanto me sobrou de ti...?
BEIJA-FLOR 2
Ai, esse é o grande mal de ser poeta
E se deixar envolver por romantismo...
Como é fácil despencar-se nesse abismo
Do incognoscível, que tanto nos afeta!
Da inspiração, que sem razão inquieta
Do menor incidente em seu mutismo
Um poema feroz de vandalismo,
No coração a avassalar paixão discreta...
Porque nunca se apresenta tal fatura,
Nem há motivo para nada se cobrar:
É apenas o frescor de puro orvalho...
E no entretanto, como a mente assim tortura
Até um outro poema se instalar,
Tal qual se a alma ali sofresse um talho!
BEIJA-FLOR 3
Tolo é o poeta que imita um beija-flor,
Sem nas corolas enfiar o longo bico,
Apenas a aspirar o aroma rico
Da inspiração, porém desnuda de calor!
Pois não pretende sequer um leve amor
E nem do néctar sugar um só salpico...
É tão somente ilusão que aqui te indico
Que a mim teria conduzido esse tremor...
Que ao coração trouxe um leve palpitar,
Um breve susto, poção de adrenalina
(toda a poesia tem no amor disritmia...)
A mente e a alma apenas a espantar,
Que essa visão tão vaga e peregrina
Originasse um breve instante de harmonia!
BRADOS DO POENTE I – 6 DEZ 15
Um bom poema pede um grau de sofrimento,
real ou imaginário, porque, quando não o há,
é necessário inventá-lo e se o fará,
imaginando amor de perda ou sentimento.
Quando se sofre então, por puro pensamento,
sem que a fronde te balance um manacá,
sem comover-te algum trinar do tangará,
faz-se a ilusão toda a razão do testamento.
Seja o poema então de dores oprimido,
nada sofrendo do que se mostra aqui:
só se imagina sentir e é quanto basta...
Assim fluem canções de amor já reprimido,
porém se imaginarem a quem me referi,
não me perguntem, que tal paixão foi casta!
BRADOS DO POENTE II
Antes que eu volte a cumprir nova tarefa,
vou-me estender em lamentável verso,
sem sentimento veraz em mim disperso,
não maior que o romper de uma sanefa. (*)
(*) Cortinado.
Para a qual rima dificilmente sendo expressa,
eu me contento com soneto claudicante,
nem todo o verso ilumina-me o semblante:
dá algum trabalho e outro vem depressa...
Como este mesmo, a escrever no quando
nada tenho a dizer, mas digo no entretanto
e insisto em me perder nos palpos desse embora,
sem sequer perceber por que caminho eu ando,
tão só mais um rascunho, que acumulo entanto,
provavelmente sem da luz ver qualquer hora!
BRADOS DO POENTE III
Porém ao por-do-sol brota a tristeza
ou na verdade, tão só melancolia:
a gente fica a cismar numa elegia,
chorando a ausência de qualquer beleza
que nesse amortecer perde a nobreza,
no lusco-fusco cinza da harmonia,
quando se pensa não se ter o que queria
e o próprio bem se rejeita, por vileza...
É então que nos perturba tal amor
que nunca foi nem poderia ter sido,
amor por rosto, no total, desconhecido,
simples pretexto, confessado sem temor,
para ter pena de si mesmo em novo verso,
que irá a seguir aos quatro ventos ser disperso!
DESTINOS DESFOLHADOS I – 7 DEZ 15
Que seja pois apenas uma lenda
o legendário amor, título vago,
varinha de condão, sonho de mago,
abracadabra e presto! – na legenda.
Que exista da caverna só uma fenda
e que a semente de sésamo num lago
lançada fora; Aladdim, um pobre gago,
não retirou de seu olhar a venda...
Que seja amor, portanto, legendário,
não menos que Sindbad ou que Renard,
que seja apenas névoa uma paixão.
Mas todavia, tal nevoeiro perdulário
entre nós dois jamais se há de apagar,
enquanto houver magia ao coração...
DESTINOS DESFOLHADOS II
Vou escrevendo o que sai, embora, às vezes,
não me pareça grande coisa o resultado...
Mas não fui eu quem escolheu: foi derramado
pelo vulcão que me persegue há tantos meses...
De fato, há anos... ou por espíritos fregueses,
que por minha pena dão vazão ao seu recado,
que não pudera ser dito no encarnado
viver – tão breve e tão cheio de revezes...
Por isso, tudo anoto, mas nem passo
a maior parte a limpo – se acumula,
nessas gavetas, junto com minhas fitas,
que nem escuto mais, maço após maço
desses versos devorados pela gula,
sem me importar se o coração inda me agitas...
DESTINOS DESFOLHADOS III
E ao mesmo tempo, de permeio à fantasia,
há aqueles versos de meu real sentir,
alcandorados nos pagos do dormir,
que o estertor da madrugada cria.
Pobres versos de espanto e nostalgia,
que num momento breve do iludir,
sempre anotei, no mais vago consentir,
move-se a mão – o peito ainda dormia!
Pois ainda creio nesse amor perdido,
da giesta nas canções dos cavaleiros,
nas torres de atalaia e em almenaras;
amor que amo, sem ser jamais cumprido,
senão em madrigais de seresteiros,
mas que inda traz ao coração fundas escaras...