O AMOR DE DENTRO (Mensagem na Garrafa)
A vida vai
E vem-se embora
No clarão das ruas
Que as luas derramam
Na escuridão dos passos.
O tumor que dói
Dentro da mente
Como um pêssego podre
Dispara milhões de cargas
Mais e menos
Cátions sólidos de sódio
Violentam as narinas
Os vórtices do pulmão
E se esvaem nas ideias.
Ânions desesperados de paixão
Permeiam a pele
Os pelos.
E pelas correntezas dos edifícios
Das pistas
Das formações de nuvens
Processam
A dor
As multidões
Os goles de estrada
Os monges pecaminosos
Onde o desejo desertou
Sua alma pura.
E pairam sobre
as sobrancelhas
Os vincos formados na testa
Os vínculos do meio-mundo
inanimado leito
Do mesmo rio
Visionária canção
Que cantas e danças
Na turva solidão dos planetas
Viagem sob um céu
De sóis desencadeados
Em Anãs
Gigantescas.
Poeiras
Que ficam entre os cabelos
Hidrogênio ionizado
Transmutando-se
Na violenta força
Enquanto sobrepõe
As amarras
Da gravidade.
E contra ambos
O tempo
A velocidade
Da gota de luz
Que molhou a vida
Com seu termo
E mergulhou
Nas profundezas
Dos céus
Aprisionada
Na poesia lúgubre
No soneto
Na Vastidão das imagens
Encurvou-se sobre ela mesma
Circunscrita.
Andou de escuro
Em escuro
Pelas esquinas
de herpes
Das bocas
Encurvou-se sobre si própria
Nos séculos
Da miragem do sexo.
Explodiu em energéticos
Clarões
Para castigar-te
Ou castigar a si própria
Como uma moenda
que range
Ou uma cor que estala
E morre.
Sucumbiu ao desespero do poema
Que esperavas?
O poema desintegra-se ao ar
Imaginem ao vácuo
Que pensas?
O poema se confunde
Com tudo que tocamos
Que pensamos tocar
Que jamais tocaremos
Por isso se perde.
Nós, os escafandristas
O colhemos e o perdemos
Inúmeras vezes
Nas cores que se escorregam
Como areia no deserto
Seco por entre os dedos
Escapam
E se misturam
Com o mero mar
De areia
Em que pisas.
Entristeceste?
Eis o poema
Que dilaceras
Não são luas
Ou manhãs
Ou objetos imóveis
Ou clarões.
São suspiros
Num átimo de Deus
Onde o tempo é pouco.
Que querias?
A palavra, Deusa
Suicida-se ao papel
E amarela-se com o tempo
Nas páginas em que tentas viver
Como uma subpartícula
De infinitésimos
Milisegundos
De vida média.
E se resiste ao pouco ar de dentro
Resistindo a todos os mares
É porque o amor
Aprisionado dentro
da garrafa
É maior que toda a solidão
De fora.
Quando o escárnio desaba
E as vagas obedecem
A dança inerte
Nos movimentos dos astros
O amor de dentro
Flutua na nau transparente
Quase lido por fora
Pelos peixes
Pelas algas
Pelas mulheres de cada porto
Que nunca o viram
Mais gordo
Quase lido pelas lamentações do sal
Que enferruja umedecido
A tinta
Não o amor de dentro.
Depois de muitas vidas de mar
O mesmo amor
Encurva-se ao movimento ermo
Do barco que o carrega
E encontra a areia
A mesma
Onde escorregam os poemas
Por entre os dedos.
Encontram-no, o amor,
Encoberto, e já imóvel
Pela inércia
Da garrafa
Desatam-no pela rolha
E ele some com seu próprio poema
Num sopro, volátil...
Sobram as palavras enferrujadas
Que nada dizem do amor
Que foi…