SOBRE UMA MULHER...

Na insegurança da tua fisionomia

sarcasticamente eu te encararia

e dramaticamente não encontraria

cerveja, rock and roll ou poesia

Não apareceste onde eu estava,

realmente o que eu não esperava

era o meu egoísmo me passar a perna

e troçar de mim numa cantilena terna

Te lembrar em demasia

suportando tísica ironia

que jamais me levaria

a reconhecer que escrevi esta algaravia

E sentar aqui para beber sozinho,

enobrecido como o é por subserviência um burrinho

e te vomitar frases minhas

já que de nada valem estas linhas

Posso ter a certeza de que jamais me enganaste

pois a mim também nunca fascinaste

Posso apenas não poder

já que não posso mais te foder

e compreender que não há valor nem sinceridade,

exceto a sempiterna e inebriante alacridade;

compreender que não há sequer conflitos

e que todos somos igualmente podres e asneirentos

Não obstante falta graça,

falta inocência ao olhar

Portanto sigo fugindo

como cachorro magro na noite

escondendo na solidão do desleixo

o poema que escrevi repudiando-te

e perscrutando verdades que me acusam:

És somente mais um

ou pensas que podes ser mais,

ou pensas que podes fazer diferente

sonhando entre sensatos?

Talvez eu deva simplesmente entregar-me

a inútil vontade

de não ter vontade,

curvar-me diante da força da preguiça

esmorecer num lento dia quente e poluído

Quem sabe eu possa então tomar

a improvável atitude de sorrir sinceramente de alegria

e depois esconder meu rosto no escuro,

dormir e não trabalhar,

viver a imanência dos dias,

assistir ao nascer e ao por-do-sol,

compreender que não há sentido em nada...

Que todos vivemos fartos de ilusões

e tantas outras superstições

que nos fazem criar versos e cantar canções

para libertar isso que chamamos de emoções

Mas talvez nada disto importe;

afinal já passou

o navio já atracou

no cais preto e branco à noite

Morpheus