O CORAÇÃO DE UM POETA
O coração do poeta é um lago represado
Este lago só se enche porque rios de lágrimas nele deságuam
Rios que nascem nas serras de muitas lembranças
E de memórias inesquecíveis
Pesadelo do passado que sempre se faz presente
E atormenta incessantemente
Por isso todo poeta chora.
Todo mundo chora e nem todo mundo é poeta
Porque só o poeta sabe porque chora
O poeta chora a dor de seus sentimentos perdidos
Nunca chora a perda daquilo que nunca teve e sabe que não o merecia
Só os egoístas choram essas perdas que tanto desejavam sem merecer.
O poeta é merecedor de tudo, até de compaixão,
Chora sempre suas perdas merecidas e se sente culpado por perdê-las
Esqueceu-se de si mesmo e não se lembrou de quem dele cuidava
Por isso chora e seu choro o consola justamente porque é poeta
O poeta sofre e chora e deseja morrer, mas nunca se mata.
O poeta é persistente em sua dor
Seu sofrimento é seu alimento
Em seu caminho ele se alegra e tem alento
Ele se mata a todo instante e se sente sempre mais vivo ainda
O poeta não é nenhum imortal mas se recusa sempre morrer.
Todo poeta morre um dia, mas deixa perene sua alegria
Esta é eterna enquanto existir um poeta no mundo
E, ao que parece, nosso mundo existirá para sempre
E como sonha o poeta, melhor ainda,
Não importa em que tempo e espaço
Pois sempre haverá tempo e espaço para a poesia.
E querem saber por quê?
Porque todo poeta é inocente e só a inocência perdura
Mas seu lago de águas de mágoas um dia se esvazia.
Rios de lágrimas e mágoas deságuam no coração do poeta
O coração do poeta é um lago imenso mas limitado
Esse lago que recebe rios de lágrimas não choradas
E de mágoas represadas um dia se transborda e rompe suas bordas
Suas águas de mágoas invadem as margens e arrastam lixos e luxúrias
Vaidades, orgulhos, juramentos de amor e promessas não cumpridas.
Quase todo poeta é um solitário e observador
Por intuição sabe tudo o que se passa nos bastidores do amor
Mas um dia e a qualquer hora o coração do poeta desiste de ser lago
E invejando os rios que chegam de todos os lados pedindo água
Por tantos prantos de amor não correspondido inveja
Uma vez mais recolhendo as águas de lágrimas choradas
De prantos derramados por tantos choros doloridos.
O lago de lágrimas do poeta que sempre estancou seu pranto
E tantas águas derramadas por amor ou mágoas
Não mais se contém e um dia derrama seu pranto também
Pois o lago de seu coração cansou-se de conter prantos de ingratidão
E se rompe deixando escorrer dentro do peito as águas da ilusão.
Um médico, assistido por uma enfermeira, dá a sentença científica
Fria e inquestionável sobre a causa provável do passamento
Para o atestado de óbito, apenas um documento:
- Um infarto fulminante. Feneceu de parada cardíaca
Múltiplas complicações e outras causas conexas.
E o atestado de óbito é coerente com o diagnóstico
O mais obsceno e pernóstico: Seu coração parou de bater
Foi assim a sua vida de enxugar prantos e enfim morrer
Num frio hospital sem ninguém se dar conta da morte de um poeta
Um poeta que se findou por se afogar no mar do amor.
Atestado médico diz tudo e até coisas desconexas como essas
Ditas e escritas numa hora dessas, de dor, não para quem foi
E sim para os poucos que ficaram ali a espera do depois
Que é o aqui e o agora para mim e você, nós dois.
Sim, seu coração parou de bater
Cansado de enxugar lágrimas de seus amores
Enquanto no lago de seu coração alagado
Represava águas de tantas mágoas e dissabores
E enfim nem sequer sentiu sua própria dor
Porque amava demais e de tanto amar, morreu de amor.