HOMENS E VINHOS
(este poema faz parte da safra "DO LAGAR PISADO")
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Homens são como vinho
há os de procedência calculável,
os baratos populares
e os raros nunca disponíveis.
O melhor vinho será sempre
aquele que ainda não foi tocado
e o homem da mais alta estirpe
aquele que a vida experimentou.
Homens e vinhos, dizem os mitos,
têm origem no barro.
Levantados do chão,
estendem domínios sobre a terra.
A maturação do vinho pede tempo;
o menino, no homem, também.
Homens e vinhos guardam
mais semelhanças,
nada os distingue melhor que o olfato.
Quando as notas do caráter
são aspiradas
e repousam no palato
nota-se a grandeza encorpada,
seja no vinho seja do homem.
Do vinho a boca diz
‘é saboroso, ácido,
denso incomparável,
licoroso digestivo.
Para o homem, a mesma boca
recua no pico da pronúncia.
O prazer é perceber a passagem do tempo
na superfície do que seja homens e vinhos.
Para um homem nunca se diz
“é inteiro” onde melhor seria dizer “é íntegro”.
Vinho de sabor acentuado é homem seguro
e certo no próprio silêncio.
Homens e vinhos são frutos da mesma espera,
no bago da uva o ácido tinto vermelho contido;
na criança expectante, o silêncio opaco
da maturidade serena.
Eu sou poeta, não fabrico vinhos,
vinhas não cultivo.
Nunca possuí parreira que cobrisse
o sol nos dias sem teto de céu aberto
mas quando penso é como se estocasse
o bom vinho em toneis de carvalho;
sei dos homens meus vizinhos,
eles sim são parreiras estendidas
às margens desse caminho.
Comunicamo-nos na linguagem das gavinhas cegas
que buscam o sol
e o que dizemos é sem o dizer que o entendemos.
Ao ébrio, um conselho tolo,
se beber, veja e repare
o vinho entorpece a língua.
A nota mais aguda é dissabor
pois que tudo perece
seja sob o encanto do vinho
ou sob o olhar dos homens.
Superior mesmo é a arte da escrita,
a nobre arte de fazer do chão batido
a melhor das terras e nela lavrar o eito
para que no lagar pisado
a videira recobre o sentido
pois que é na parreira das palavras
que se colhe a melhor uva.
Fazer do fruto a melhor bebida,
ser o melhor dos homens
no momento vivido
e estar pronto ao chamado da poesia
no lagar pisado.
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Baltazar Gonçalves